Não é apenas a sua opinião

Andrews
Lindíssima disse tudo
4 min readJun 4, 2018

Há algumas segundas-feiras atrás, durante uma aula da disciplina Meios de Comunicação e Vida Democrática que eu curso na UFF, a professora nos questionou sobre se “o comprometimento com a liberdade de expressão não deveria pressupor a tolerância a formas de expressão ofensivas ou agressivas?”. Naquele momento, minha resposta foi que sim. E vou explicar aqui o pensamento que me levou a tal resposta: a partir do momento que defendemos que todas as pessoas têm o direito de expressar suas opiniões e que todos têm o direito de serem ouvidos, acredito sim que essa liberdade inclua aceitar que as pessoas tenham opiniões que ofendam ou agridam outras. Mas, como disse também na aula, aceitar que as pessoas tenham tais opiniões não significa aceitar o que foi dito, pois temos não só o direito de discordar, mas acredito também que o dever de combater tais opiniões odiosas.

A questão não saiu mais da minha cabeça e, desde aquela aula, venho travando alguns conflitos internos quanto a minha própria resposta porque simplesmente não consigo concordar totalmente com ela, mesmo que ainda acredite no pensamento que me levou a formula-la. Por fim, decidi tirar um tempo para refletir mais sobre tudo isso e tentar entender o que me incomodava no meu próprio argumento. E acho que cheguei a uma conclusão: o maior problema não me parece ser exatamente a questão do poder ou não dizer algo, ainda que por mais ofensivo que seja, e sim quem fala.

Vivemos em uma sociedade onde fica muito claro perceber quem tem o direito a fala e quem está fadado a viver sendo constantemente silenciado. É nessa problemática que mora o perigo, algo que eu deixei de considerar ao inferir minha resposta. Expressões ofensivas e agressivas tornam-se intoleráveis dentro deste contexto, onde há uma subjugação da voz e a fala de um determinado grupo tem um potencial de circulação muito maior frente às falas de outros grupos. Principalmente quando tais opiniões reforçam opressões já estabelecidas em nossa sociedade e se propõem a negar direitos a certos grupos.

Conforme escrevo, vou percebendo que a conclusão a qual cheguei já deveria ser mais do que óbvia para mim. Lembro-me bem de um longo debate que tive com um casal de amigos do meu namorado — que, na época, tinha recentemente sido descoberto gay pela família — após eles lhe darem o seguinte conselho: “chega pra sua mãe e fala que gosta de homem, mas que pelo menos não é viadinho [sic]”. O discurso deles, que supostamente deveria consolar a minha sogra e amenizar sua reação quanto a orientação sexual de seu filho, rendeu uma longa discussão onde meu namorado e eu tentamos lhes explicar que tal fala era ridícula e preconceituosa, além do fato de muitos homossexuais morrerem por causa daquele tipo de discurso (tudo isso quando eu ainda tinha saco para dialogar e tentar desconstruir o pensamento das pessoas).

Lidando com discurso intolerante hoje em dia.

“Opiniões” como a do casal de amigos do meu namorado não carregam simplesmente seus pensamentos ou impressões sobre uma situação, elas são baseadas, ou no mínimo muito influenciadas, em sérios problemas presentes na nossa sociedade: reforçam estereótipos problemáticos, reproduzem ideais homofóbicos (ou machistas, racistas, transfóbicos, e etc.), além de resultarem também em muitos dos crimes de ódio que sabemos acontecer todos os dias. Por isso, tais expressões configuram-se como discursos de ódio que não devem ser tolerados e, a partir da minha reflexão, minha resposta para o questionamento da professora é totalmente diferente da que eu dei há três semanas atrás. Não acredito que o comprometimento com a liberdade de expressão deva implicar diretamente em tolerar tais ofensas ou agressões, pois são elas as responsáveis pela manutenção e perpetuação de problemas tão sérios.

Além de tudo, essas formas de expressão carregam um significado que parece bater de frente com o próprio sentido deste comprometimento, já que muitas vezes representam o silenciamento de certos grupos, e não seria isso também uma negação da liberdade de expressão deles? — além da negação de muitos outros direitos dos grupos ofendidos e/ou agredidos. Ao meu entendimento, para haver uma verdadeira liberdade de expressão seria necessário haver uma igualdade entre os indivíduos e suas formas de produção e circulação de ideias. Enquanto houverem grupos privilegiados detendo o controle sobre este mercado de ideias e ditando o discurso que alimenta o senso comum, sempre existirá alguém menos privilegiado tendo suas formas de expressão negadas.

Em um cenário como este, tolerar opiniões ofensivas baseadas em discursos de ódio torna-se inadmissível e, até mesmo, sem sentindo. A clássica frase “é apenas a minha opinião” torna-se uma defesa pronta para aquele que cala não ter seu discurso preconceituoso silenciado, mantendo-o em circulação. Portanto, torna-se ainda mais necessário combater esse discurso. Quebrar o silêncio que nos é imposto e naturalizado, batendo de frente com tais formas de expressões que servem como ferramentas de opressão.

Texto para a disciplina Meios de Comunicação e Vida Democrática.
Professora: Seane Melo.
Universidade Federal Fluminense, 2018/1.

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