O adeus aos Gamegaters e a renovação na indústria dos games

Giulia F
Lindíssima disse tudo
5 min readJul 3, 2018

Em meio aos olhares atentos de todos os interessados na indústria de jogos eletrônicos, começava no dia 12 de junho a vigésima quarta edição do E3 ou Electronic Gaming Expo. O E3 é a maior e mais importante feira de jogos eletrônicos do mundo. É lá que tendências são lançadas, projetos são revelados e novidades chegam até consumidores e críticos do gênero. Durante o período de duração da feira, milhões de apaixonados por games sonham em ocupar o mesmo espaço ocupado por conteúdo exclusivo de empresas como Nintendo, Sony e EA. Para os gamers que acreditam no conceito de paraíso, o acesso ao E3 chega bem perto.

Algumas edições atrás, as conversas que antecederam a feira pareciam ter um único tema: o Gamergate e a sua influência na indústria de jogos. O movimento veio como uma onda misógina para calar o crescente número de mulheres desenvolvedoras, críticas e consumidoras de games. Usando a desculpa da liberdade de expressão, membros de grupos associados ao movimento declararam guerra às mulheres. A mensagem era clara: a mulher que ousar adentrar o espaço que é por direito do homem merece ser punida e humilhada publicamente.

A violência contra a mulher podia até não ter o apoio explícito das grandes corporações, mas muito pouco era feito para solucionar o questão da falta de diversidade. A. indústria enxergava seus consumidores como uma massa homogênea de homens heterossexuais, brancos e intolerantes. Jogos devem ser feitos por homens, com o público masculino em mente e a diversidade de jogadores desconsiderada.

De lá pra cá, essas antigas verdades absolutas passaram a não ser tão absolutas assim. A indústria atravessa um período de renovação e é perceptível a crescente demanda por jogos que refle o público: mais inclusivos, com a presença mulheres, personagens não-brancos, e romances fora do padrão heteronormativo.

A E3 de 2018 veio para finalmente coroar esse processo, mandando um recado para aqueles que se escondem atrás de manifestações ofensivas: o domínio da intolerância nos games mainstream está com os dias contados. A representatividade importa.

O painel da Sony, empresa gigante no mundo dos jogos, era um dos mais requisitados do E3. A maioria dos ansiosos aguardavam a divulgação de material inédito sobre o segundo jogo da franquia “The Last of Us”, um dos jogos mais vendidos dos últimos tempos. Durante a exibição do trailer, a plateia pôde ver a protagonista Ellie dançar e beijar sua namorada. O beijo foi aclamado pela crítica e compartilhado incontáveis vezes online, transformando a cena no momento mais emblemático da vigésima quarta E3.

A Sony não é a única grande empresa investindo em diversidade: a Ubisoft anunciou que em “Assassin’s Creed Odyssey”, jogo que faz parte de uma das maiores franquias atuais, os protagonistas masculino e feminino poderão romancear personagens de ambos os sexos, opção não existente em jogos anteriores. Já na conferência da EA, foi confirmada a primeira protagonista feminina de seu jogo ambientado na segunda guerra mundial, Battlefield 5.

É fato que a democracia não pode existir sem representatividade e a ideia democrática de inclusão no ambiente das produções de jogos independentes não é novidade para ninguém. Ano passado, uma nova geração de desenvolvedores de todo o mundo se reuniu no encontro The Civic Game Jam para criar jogos com foco em narrativas políticas inclusivas e engajamento civil. O sucesso de jogos independentes que se propõe a fazer críticas ao sistema político vigente é inegável. Jogos como “Papers, Please”, sobre um policial de imigração trabalhando na fronteira de um país ficcional, tiveram vendas expressivas para a categoria nos últimos anos.

O potencial cultural e democrático dos jogos também é cada vez mais reconhecido entre políticos de esquerda. Mélenchon, candidato à presidência nas eleições francesas de 2017, é um dos políticos que já discursou sobre a importância dos jogos para a vida democrática. Na época de sua campanha, o candidato prometeu criar uma agência nacional para financiar projetos de games socialmente relevantes. Membros da campanha do candidato a primeiro ministro britânico, James Corbyn, criaram a iniciativa “Games for the Many” com o objetivo de desenvolver jogos de conteúdo político e reunir criadores politicamente ativos em suas comunidades. Além disso, jogos como “Executive Command” do site iCivics.org se propõe a ensinar crianças sobre os rumos da democracia americana através de sua jogabilidade.

Se setor independente e politizado da indústria está bem mais avançando em suas iniciativas de inclusão, porque a diversidade em grandes produções é tão importante? O alcance dos jogos mainstream ainda é incomparável ao pequeno público de jogos independentes. O primeiro jogo da franquia “The Last of Us” vendeu pouco mais de 17 milhões de cópias. O que significa que se os números de venda da segunda parte forem similares aos da primeira, mais de 17 milhões de pessoas estarão jogando com uma protagonista lésbica nos próximos anos.

As mudanças podem parecer pequenas e a indústria ainda está muito longe de resolver seu problema de representatividade, mas o reconhecimento da diversidade do público consumidor e o número crescente de personagens que representam essa realidade são etapas importante para a construção de uma indústria de jogos mais democrática e inclusiva, onde a presença de discursos discriminatórios e intolerantes não serão mais aceitos.

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