Oito, quatro, dois. Zero?

A ciência vai precisar a aprender a conversar

Vic Freitas
Lindíssima disse tudo
4 min readApr 29, 2018

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Esse é o canteiro de obras do acelerados de partículas Sirius, no interior de Campinas. Até que parece um estádio, não? (Foto: Divulgação/CNPEM)

Qual é a primeira imagem em que você pensa quando ouve a palavra cientista? Talvez você imagine um indivíduo desajustado socialmente, calculista, com hábitos excêntricos e uma inteligência acima da média. Quem pode te culpar? O estereótipo do cientista é uma forte instituição nos filmes de ficção do gênero desde os anos 70, pelo menos. Cientistas como Stephen Hawking e Neil deGrasse Tyson se elevaram ao status de celebridades nos Estados Unidos, coincidência ou não, um dos países que mais investem em ciência no mundo.

Em 2017 artigo da revista Nature mostrou a oscilação dos investimentos para área de ciência no país desde 2010.

O investimento em pesquisa ainda é a maior ferramenta para fazer um país andar com as próprias pernas. E o Brasil só tem tropeçado. A maior quantia que os laboratórios brasileiros já receberam foram os R$8 Bilhões de 2010. Isso dá mais ou menos R$ 10 bilhões, considerando a inflação de oito anos depois. Parece um número exorbitante — e se comparado com o orçamento atual, certamente é: esses oito bilhões viraram quatro e então, no início de 2018, viraram dois. Laboratórios de universidade federais, os maiores responsáveis pelas pesquisas científicas produzidas no país, fecharam as portas durante 2017. A principal agência de fomento à pesquisa, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tem a suas atividades mais básicas ameaçadas pelos cortes. E junto com ele vão milhares de jovens pesquisadores que dependem da bolsa de iniciação científica que lhes é oferecida.

Os cortes ameaçam também a construção do superlaboratório Sirius, um acelerador de partículas inovador que, quando pronto, fará do Brasil uma referência mundial na área. O custo estimado para a construção dessa — que é possivelmente a obra mais sofisticada já realizada no país — é de R$1,5 bilhão, menos do que custou a reforma realizada no Mané Garrincha para a Copa do Mundo, por exemplo.

Falando em futebol, 51% dos brasileiros prefeririam ter uma conversa com o Neymar e 49% bateriam um papo com Marcos Pontes, o primeiro brasileiro a ser lançado no espaço. O equilíbrio desses números só mostra o quanto o brasileiro está interessado em ciência. Segundo pesquisa do Instituto 3M, brasileiros têm mais confiança na ciência e entendem seu papel de forma mais expressiva do que cidadãos de outros países, mas admitem que seu conhecimento sobre o assunto ainda é limitado. A preocupação com o futuro também é latente — 95% dos pais que responderam ao questionário manifestam o desejo de que seus filhos sejam mais informados sobre ciência. O sentimento geral é de que, se tivesse o investimento que precisa, o Brasil estaria na vanguarda científica. Todo mundo que trabalha com ciência concorda.

Curiosamente, o número de pesquisadores ativos só cresceu nos últimos anos, vai entender. Pelo menos a qualidade das pesquisas realizadas no país não condizem em nada com a qualidade dos investimentos destinados a elas. Adivinha quem fez a correlação da Zika com a microcefalia pela primeira vez? Pois é, uma brasileira. E quem foi o primeiro país da América Latina a disponibilizar a versão mais efetiva da terapia antirretroviral de graça pra todo mundo que precisa? Brasil de novo. E quem acabou de descobrir o maior vírus do mundo? Acertou, foram pesquisadores brasileiros. Dentre todas as pesquisas inovadoras que estão sendo feitas agora, esses são apenas três exemplos do que a ciência brasileira pode fazer enquanto passa pelo pior momento de sua história.

Apesar da opinião pública parecer estar a favor dos cientistas, ela ainda é motivada por uma noção mais abstrata e intimidante do que é a ciência. Além disso, o reconhecimento dos benefícios científicos é mais facilmente apontado quando se trata de uma dimensão coletiva. Os frutos do desenvolvimento científico são muito mais difíceis de se destacar na vida individual dos cidadãos: dois em cada três brasileiros não acha que ciência faz tanta diferença assim no cotidiano. Parte da culpa por esse fenômeno recai sobre a própria comunidade acadêmica que, ao priorizar o diálogo com os restritos espaços das universidades, fóruns e simpósios, cria uma barreira — sobretudo física — que impede a troca de experiências entre entidades científicas e a sociedade na qual estão inseridas.

Esforços no sentido de amenizar esse problema têm sido notáveis, entretanto. O número de programas de incentivo à divulgação científica tem crescido expressivamente, principalmente por conta do contexto político e econômico atual. Iniciativas como Pint Of Science e o Science Slam, eventos que incentivam pesquisadores a usarem uma linguagem menos acadêmica e tirar a pesquisa dos laboratórios, são exemplos de como a ciência pode se beneficiar com a abertura do diálogo com sociedade. Essas atividades criam espaços públicos de discussões que têm o potencial de mobilizar a população e transformar discursos em políticas públicas com resultados notáveis.

Para sobreviver, a ciência vai precisar a aprender a conversar.

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