Oito, quatro, dois. Zero?
A ciência vai precisar a aprender a conversar
Qual é a primeira imagem em que você pensa quando ouve a palavra cientista? Talvez você imagine um indivíduo desajustado socialmente, calculista, com hábitos excêntricos e uma inteligência acima da média. Quem pode te culpar? O estereótipo do cientista é uma forte instituição nos filmes de ficção do gênero desde os anos 70, pelo menos. Cientistas como Stephen Hawking e Neil deGrasse Tyson se elevaram ao status de celebridades nos Estados Unidos, coincidência ou não, um dos países que mais investem em ciência no mundo.
O investimento em pesquisa ainda é a maior ferramenta para fazer um país andar com as próprias pernas. E o Brasil só tem tropeçado. A maior quantia que os laboratórios brasileiros já receberam foram os R$8 Bilhões de 2010. Isso dá mais ou menos R$ 10 bilhões, considerando a inflação de oito anos depois. Parece um número exorbitante — e se comparado com o orçamento atual, certamente é: esses oito bilhões viraram quatro e então, no início de 2018, viraram dois. Laboratórios de universidade federais, os maiores responsáveis pelas pesquisas científicas produzidas no país, fecharam as portas durante 2017. A principal agência de fomento à pesquisa, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), tem a suas atividades mais básicas ameaçadas pelos cortes. E junto com ele vão milhares de jovens pesquisadores que dependem da bolsa de iniciação científica que lhes é oferecida.
Os cortes ameaçam também a construção do superlaboratório Sirius, um acelerador de partículas inovador que, quando pronto, fará do Brasil uma referência mundial na área. O custo estimado para a construção dessa — que é possivelmente a obra mais sofisticada já realizada no país — é de R$1,5 bilhão, menos do que custou a reforma realizada no Mané Garrincha para a Copa do Mundo, por exemplo.
Falando em futebol, 51% dos brasileiros prefeririam ter uma conversa com o Neymar e 49% bateriam um papo com Marcos Pontes, o primeiro brasileiro a ser lançado no espaço. O equilíbrio desses números só mostra o quanto o brasileiro está interessado em ciência. Segundo pesquisa do Instituto 3M, brasileiros têm mais confiança na ciência e entendem seu papel de forma mais expressiva do que cidadãos de outros países, mas admitem que seu conhecimento sobre o assunto ainda é limitado. A preocupação com o futuro também é latente — 95% dos pais que responderam ao questionário manifestam o desejo de que seus filhos sejam mais informados sobre ciência. O sentimento geral é de que, se tivesse o investimento que precisa, o Brasil estaria na vanguarda científica. Todo mundo que trabalha com ciência concorda.
Curiosamente, o número de pesquisadores ativos só cresceu nos últimos anos, vai entender. Pelo menos a qualidade das pesquisas realizadas no país não condizem em nada com a qualidade dos investimentos destinados a elas. Adivinha quem fez a correlação da Zika com a microcefalia pela primeira vez? Pois é, uma brasileira. E quem foi o primeiro país da América Latina a disponibilizar a versão mais efetiva da terapia antirretroviral de graça pra todo mundo que precisa? Brasil de novo. E quem acabou de descobrir o maior vírus do mundo? Acertou, foram pesquisadores brasileiros. Dentre todas as pesquisas inovadoras que estão sendo feitas agora, esses são apenas três exemplos do que a ciência brasileira pode fazer enquanto passa pelo pior momento de sua história.
Apesar da opinião pública parecer estar a favor dos cientistas, ela ainda é motivada por uma noção mais abstrata e intimidante do que é a ciência. Além disso, o reconhecimento dos benefícios científicos é mais facilmente apontado quando se trata de uma dimensão coletiva. Os frutos do desenvolvimento científico são muito mais difíceis de se destacar na vida individual dos cidadãos: dois em cada três brasileiros não acha que ciência faz tanta diferença assim no cotidiano. Parte da culpa por esse fenômeno recai sobre a própria comunidade acadêmica que, ao priorizar o diálogo com os restritos espaços das universidades, fóruns e simpósios, cria uma barreira — sobretudo física — que impede a troca de experiências entre entidades científicas e a sociedade na qual estão inseridas.
Esforços no sentido de amenizar esse problema têm sido notáveis, entretanto. O número de programas de incentivo à divulgação científica tem crescido expressivamente, principalmente por conta do contexto político e econômico atual. Iniciativas como Pint Of Science e o Science Slam, eventos que incentivam pesquisadores a usarem uma linguagem menos acadêmica e tirar a pesquisa dos laboratórios, são exemplos de como a ciência pode se beneficiar com a abertura do diálogo com sociedade. Essas atividades criam espaços públicos de discussões que têm o potencial de mobilizar a população e transformar discursos em políticas públicas com resultados notáveis.
Para sobreviver, a ciência vai precisar a aprender a conversar.