Os blogs e a contribuição para a democracia: entrevista com Luiz Carlos Azenha

Gabriel Massena
Lindíssima disse tudo
6 min readJul 3, 2018

Os meios de comunicação tradicionais na atual sociedade capitalista agem como agentes discursivos do neoliberalismo, transformando-o em hegemônico e tentando neutralizar a reprodução do pensamento crítico. Segundo a filósofa Marinela Chauí, eles atuam para “escamotear o conflito, dissimular a dominação e ocultar a presença do particular, enquanto particular dando-lhe a aparência do universal”. Outro papel que esses veículos cumprem é o de agentes econômicos poderosos. Essas poucas corporações se encontram entre as 300 maiores empresas não financeiras do mundo. Um oligopólio que domina, através de participações cruzadas, os setores da informação, do jornalismo, esporte, entretenimento, entre outros.

Diferente de outros poderes, o poder midiático, também chamado de 4º poder, não possui nenhuma legitimidade democrática. As sete famílias que controlam metade dos 50 veículos de comunicação com maior audiência no Brasil jamais receberam um voto para ter tanto poder. Exercem o que podemos chamar de “coronelismo informativo”.

No entanto, devido a internet, muitos jornalistas passaram a poder se comunicar com muita gente de forma simples e barata, furando, relativamente, a ditadura do pensamento único promovida pela imprensa tradicional. Uma das formas de atuação desses jornalistas é através de blogs. No cenário político, esses blogs passaram a ter uma relativa influência no país e internacionalmente também. Na campanha de Obama, um áudio infeliz do candidato democrata a respeito dos eleitores das pequenas cidades teve um grande impacto ao ser publicado em um blog, tornando-se uma questão central nas primárias da Pensilvânia, estado chave na eleição com 20 delegados. Esses blogs passaram a ser utilizados inclusive por jornalistas que conseguiram se estabelecer na imprensa tradicional como Paulo Henrique Amorim, Sidney Rezende e Luiz Carlos Azenha. Com este último eu bati um papo para falar sobre os blogs e a imprensa tradicional.

Luiz Carlos Azenha

Azenha foi correspondente da Globo em Nova York, passou pelo SBT, Manchete e atualmente está na Record. Seu blog, o Viomundo, nasceu em 2000, quando ele estava na TV Globo. Resumir em 60 segundos assuntos complexos da política internacional estavam deixando-o insatisfeito e por isso o blog se tornou uma realidade. Apesar dele não achar que seu site em específico seja relevante em fortalecer a democracia, ele acredita que os blogs representam um avanço democrático:

“Acho que a partir dos anos 90, no Brasil, abriu-se uma janela inédita para comunicação fora dos grandes meios, extremamente concentrados nas mãos de poucos, na internet e nas redes sociais. É um fenômeno similar ao da imprensa alternativa que atuou durante a ditadura militar, mas no campo digital e com maior alcance”, disse Azenha.

Confira a entrevista:

Gabriel Massena — A concentração monopólica é uma realidade no Brasil e vivemos em um momento histórico em que a interseção entre capital financeiro e capital midiático é muito profunda. Isso faz com que muitas vezes a imprensa tradicional atue de forma coordenada e uníssona a favor dos interesses do “mercado”, fortalecendo o pensamento único, pró-neoliberalismo, e prejudicando a pluralidade de ideias. Como os blogs podem atuar para melhorar esse quadro?

Luiz Carlos Azenha: Com o avanço das tecnologias de informação, já podemos falar em um novo cenário, em que o papel de corporações como o Google e o Facebook, controladores dos algoritmos que podem direcionar a audiência nesta ou naquela direção, será mais importante que o dos produtores de conteúdo. Além disso, com ataques ao princípio da neutralidade na rede, já é possível antever que alguns conteúdos vão circular mais rápido que outros. É como se a internet fosse uma autopista: quem pagar pedágio vai andar mais rápido, quem não puder enfrentará congestionamento. Exemplificando, os conteúdos da Globo vão viajar numa velocidade superior aos do Viomundo, eliminando o princípio igualitário sobre o qual a internet foi criada. O algoritmo e os pedágios (cobrados pelas empresas de telefonia) vão funcionar como uma espécie de censura política e econômica. Hoje, conteúdos publicados diretamente no Facebook tem maior alcance que os publicados indiretamente, nos blogs. A tendência é de aquela janela a que me referi acima ir se fechando.

Gabriel Massena: É possível que os blogs tenham um alcance semelhante aos sites da imprensa tradicional?

Luiz Carlos Azenha: Mesmo nas plataformas digitais é preciso ter capital para obter alcance. Links patrocinados e outras ferramentas custam dinheiro. A Globo promove uma sinergia entre todas as suas plataformas, tendo por trás uma emissora de TV com alcance nacional. Não há como competir. É possível que os grupos fundados no impresso percam importância, correndo risco de falir. Como aconteceu nos Estados Unidos, a propaganda vai migrar crescentemente para a internet. Porém, no Brasil, as agencias de publicidade tem um caráter concentrador. Elas tem incentivo financeiro (uma espécie de jabá legalizado) para concentrar as contas dos grandes anunciantes em alguns meios. Por isso, não vejo como os blogs possam ir além de suas táticas de guerrilha, financiadas por leitores e anúncios remunerados por clicks (tipo Google).

Gabriel Massena: O jornalista e sociólogo Ignácio Ramonet alerta para o desaparecimento do jornalismo investigativo, por ter um custo financeiro alto para funcionar, atrofiando as qualidades dos jornalista e corrompendo a democracia. No entanto, apesar de poucos exemplos, vemos trabalhos de jornalismo investigativo realizados por blogueiros, como o caso do processo da Globo na Receita Federal, noticiado pelo blog “O Cafezinho”, de Miguel do Rosário. Qual a sua opinião sobre isso?

Luiz Carlos Azenha: O jornalismo investigativo que existe é claramente direcionado para algumas pautas, em detrimento de outras. Não há jornalismo investigativo dos grandes meios, nunca houve, para investigar algo que não interesse aos barões da mídia. Isso explica, por exemplo, como o grupo do senador Aécio Neves controlou a política de Minas Gerais como se o estado fosse uma Suécia brasileira: nunca houve interesse em investigá-lo. Nem à privatização da Vale e, para falar num tema mais recente, a privatização disfarçada da Petrobrás e do pré-sal. No Brasil, portanto, não há como falar no fim de algo que nunca existiu. Neste caso, acredito que a melhor saída é mesmo o financiamento coletivo, se possível do trabalho cooperativo de jornalistas.

“Não há jornalismo investigativo dos grandes meios, nunca houve, para investigar algo que não interesse aos barões da mídia.”

Gabriel Massena: A maioria dos blogs costumam reproduzir opiniões de personalidades da política e comentar os acontecimentos políticos. É possível superar essa questão e passar a criar mais conteúdo informativo capaz de pautar a política e a imprensa tradicional?

A produção de conteúdo próprio esbarra na eterna questão do financiamento, mas acho que a blogosfera vem avançando na identificação de novas vozes. Muitos dos bons comentaristas de hoje não existiam no tempo em que o filtro era exclusivamente o dos chefes de redação das publicações tradicionais. A blogosfera acrescentou mulheres, negros, LGBT e muitos outros que estavam completamente excluídos do debate. Não se esqueça de que é algo dinâmico: o próprio discurso dos grandes meios muda a partir do confronto de discursos com a blogosfera.

“Muitos dos bons comentaristas de hoje não existiam no tempo em que o filtro era exclusivamente o dos chefes de redação das publicações tradicionais.”

Gabriel Massena: A democracia no Brasil passa por um momento delicado com o golpe de Estado, o aumento do autoritarismo e o avanço conservador. Isso tem afetado de que forma o trabalho dos blogs? Como eles podem atuar nessa conjuntura?

Luiz Carlos Azenha: Acho que, apesar de todas as dificuldades econômicas, é uma oportunidade e tanto para a blogosfera, considerando que ao menos 40% dos brasileiros (grosseiramente) não se acreditam representados pelo discurso hegemônico dos donos da mídia. Num quadro de crise econômica, é muito mais fácil enfrentar o discurso oficialista de que não houve golpe contra Dilma, de que reformas de Temer eram um avanço, de que a corrupção histórica no Brasil deve ser colocada unicamente na conta do PT ou de que a corrupção — e não a desigualdade — é o maior problema do Brasil. O espetacular fracasso do governo Temer pode ser creditado, ao menos em parte, à existência de um discurso contra hegemônico disseminado nas redes sociais créditos à blogosfera).

“O espetacular fracasso do governo Temer pode ser creditado, ao menos em parte, à existência de um discurso contra hegemônico disseminado nas redes sociais créditos à blogosfera.”

Gabriel Massena: Qual a sua opinião sobre a expressão “Partido da Imprensa Golpista”?

Luiz Carlos Azenha: É uma generalização grosseira. Obviamente que há bons jornalistas nos grandes meios — eles são as exceções que garantem ao patronato o discurso da pluralidade. Como piada, o PIG é um bom duplo sentido, pois é possível dizer que o discurso único, pró-mercado, conservador, branco e machista é mesmo uma porcaria, sem ofensa aos bichos simpáticos que são os porcos.

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