Pão e Circo é bom demais

Andrews
Lindíssima disse tudo
5 min readJul 2, 2018

A essa altura do campeonato, literalmente, todo brasileiro já deve estar mais do que ciente de que estamos em meio ao chamado “maior espetáculo da terra”, a Copa do Mundo. Neste ano, o evento é sediado pela Russia e conta com grandes seleções na disputa, incluindo a seleção brasileira, que após o vexame do 7x1 em 2014, tem como principal objetivo provar para o mundo e para o povo brasileiro que ainda sabe fazer um dos melhores futebóis do mundo.

É impossível negar a importância que o futebol tem para o nosso país. Mais do que apenas um esporte, é uma das maiores paixões de grande parte do povo brasileiro, independente de gênero, raça ou idade. É um dos principais símbolos de nossa identidade nacional, que se faz presente durante todo o processo de formação como indivíduos desde a infância. O futebol mexe conosco de maneira intensa, afetando nossas emoções, nos dando alegria nas vitórias e tristeza nas derrotas, principalmente quando se trata de um jogo da seleção pelo título de campeão mundial.

Lembro-me, ainda que vagamente, da emoção de acompanhar a Copa do Mundo de 2002, quando o Brasil foi pentacampeão. Noites em claro, à espera dos jogos que aconteciam às três da madrugada e a dificuldade em acordar cedo para assistir aos jogos que aconteciam logo no início da manhã, tudo isso para torcer pela nossa seleção, que disputava o mundial lá do outro lado do mundo, em jogos no Japão e na Coréia do Sul. Aquilo definitivamente me marcou quando criança, plantando em mim uma semente de prazer e boas lembranças associadas ao ato de me reunir com pessoas queridas para acompanhar as transmissões pela TV.

No entanto, a verdade é que nem todo mundo compartilha de uma conexão tão grande com esse evento ou sequer tem boas opiniões a seu respeito. Para muitos, a copa é a perfeita exemplificação da famosa política do Pão e Circo. Uma forma de alienação das camadas mais pobres da população (tanto financeiramente quanto intelectualmente) através do fornecimento de alimentação e entretenimento, que controlaria o povo, evitaria possíveis revoltas contra o estado e ainda garantiria o aumento da popularidade daqueles no poder.

A última Copa do Mundo (2014) aconteceu aqui, em terras brasileiras, e sua organização sofreu muitas acusações de ser apenas uma estratégia do governo de Dilma Rousseff para amenizar a insatisfação de parte do povo brasileiro com seu primeiro mandato e também uma forma de garantir sua reeleição nas eleições que aconteceriam naquele mesmo ano. As críticas aos gastos absurdos de dinheiro público com a construção de novos estádios e outras estruturas para receber o evento da FIFA desencadearam uma série de manifestações contra a realização da copa numa época bem próxima ao início da competição. Organizados principalmente através das redes sociais, os protestos deram origem à hashtag #NãoVaiTerCopa e aconteceram nas principais capitais do país.

Estimou-se que essa onda de manifestações se intensificaria com o início dos jogos em 2014, o que acabou por não acontecer, pois os protestos que se seguiram resumiam-se a vaias e xingamentos à presidenta durante os jogos do Brasil. Nas ruas, a energia da Copa do Mundo tomou conta dos brasileiros, que receberam os turistas fazendo jus à famosa hospitalidade e irreverência da população, transformando aquela copa em uma grande festa de sucesso, mesmo com a decepcionante derrota para a Alemanha na semifinal. No final das contas, acabou por ter muita copa sim e duas possíveis interpretações podem ser feitas desse fato: 1) que a política do Pão e Circo funciona muito bem no Brasil; 2) que nós sabemos fazer uma boa festa para o resto do mundo, apesar de todos os problemas que enfrentamos internamente. Eu tendo a acreditar que a resposta está em algum lugar entre essas duas opções.

Muita coisa mudou desde aquela Copa do Mundo. A política brasileira passou por uma de suas maiores crises, resultando em um golpe de estado — o processo de Impeachment da presidenta Dilma Rousseff, legalmente reeleita em 2014, — impulsionado por uma série de articulações políticas e midiáticas. Nestes quatro anos, o nosso país tem vivido uma forte polarização política, entre esquerda e direita, que parece ter instigado o debate político, principalmente na internet, onde as pessoas parecem encontrar uma liberdade maior para expor suas ideias e se articular junto daqueles que compartilham de suas crenças e opiniões. E agora, com a copa da Rússia, o discurso sobre a política do Pão e Circo voltou a ganhar destaque em meios às acusações de que o povo brasileiro mais uma vez ignorará todos os seus problemas em troca da emoção de torcer pelo hexacampeonato da nossa seleção.

É incontestável que a cobertura de eventos como uma Copa do Mundo afete diretamente a programação de redes de televisão e a agenda da mídia como um todo, ganhando destaque em detrimento de outros assuntos e notícias mais importantes. Negar isso seria tolice. Mas será mesmo que tal evento teria a capacidade de fazer uma população esquecer dos problemas sociais que seu país enfrenta? Isso me parece totalmente improvável. Todos os dias, nós lidamos com a difícil realidade de se viver em um país como o Brasil, onde a educação é desvalorizada, o transporte público é mal planejado, o desemprego assola milhares de indivíduos, as minorias sociais têm seus direitos negados e sua existência invisibilizada e as pessoas são agredidas ou violentadas meramente por causa de sua orientação sexual, gênero ou raça. Será que é possível que essas pessoas ignorem todas essas e outras questões apenas por causa de uma partida de noventa minutos? Esta é uma ideia que não faz muito sentido na minha cabeça.

Quem sofre com as injustiças sociais no Brasil não precisa fazer muito esforço para se lembrar das dificuldades que enfrenta, pois é constantemente lembrado disso em seu dia a dia. Nenhum jogo de futebol ou taça de copa é capaz de fazê-los esquecer. Mas essas coisas são capazes de lhes proporcionar alguns bons momentos de diversão e entretenimento em meio ao caos. Uma folga das adversidades e uma distração dos problemas são mais do que necessárias para nos mantermos de pé, lutando pelo que nós acreditamos e enfrentando os obstáculos. Para mim, estas coisas não são antagônicas, uma coisa não anula a outra, elas se complementam e ambas são extremamente necessárias. Uma vez, uma professora, durante meu primeiro período na UFF, falou sobre a importância de nós termos nossas alienações e nos aproveitarmos delas para descansarmos nossas mentes, senão sem elas nós enlouqueceremos, atormentados pelo desafio que é viver nesse mundo que vivemos.

Então, como já digo no título do texto, venho aqui afirmar que pão e circo é muito bom! Vou além e digo também que é algo necessário para lidarmos com a nossa realidade. Não é pecado nenhum ser a favor da Copa do Mundo e temos nosso direito de nos utilizarmos de grandes espetáculos para fugirmos um pouco dos problemas e nos divertirmos. Além disso, o esporte é algo lindo e uma fonte de esperança para muitos meninos e meninas que, através dele, sonham conquistar mais do que a sociedade os quer fazer acreditar estar destinado a eles.

Texto para a disciplina Meios de Comunicação e Vida Democrática.
Professora: Seane Melo.
Universidade Federal Fluminense, 2018/1.

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