Quando @realDonaldTrump não pode bloquear ninguém: as implicações da diplomacia via Twitter
Até a confirmação do resultado poucos poderiam prever que Donald Trump seria eleito o 45º presidente dos Estados Unidos. Se valendo de um discurso “anti-establishment” (antissistema) e tendo como slogan “Make America Great Again” — torne a América grande novamente — o excêntrico e falastrão empresário chegou ao poder sem ter a maioria dos votos populares, ou mesmo sem ser unanimidade dentro de seu próprio partido. Desde a sua caricata candidatura, que muitos tinham como piada, já era possível vislumbrar as conturbações que seu governo teria caso fosse eleito.
Eleito não foi diferente. Com um discuso violento, que não mede as palavras, nem os lugares, nem os meios de comunicação que usa, Trump parece enlouquecer sua assessoria de imprensa — caso tenha alguma de fato. Seu governo, marcado por contradições e polêmicas, se aproxima da metade, sem apresentar perspectiva de estabilização politica.
Outra marca de seu governo é o uso do Twitter. Não que isso seja algo novo entre os presidentes estadunidenses, já que Barack Obama estreou e fez uso extensivo da conta oficial criada para os mandatários do Tio San (@POTUS). Porém Donald Trump consegue extrapolar os usos dessa rede social. Através de sua conta pessoal (@realDonaldTrump) é possível encontrar, sem filtro algum, o posicionamento do presidente acerca de qualquer aspecto que envolva o seu governo. Isso, em si, não é algo bom nem ruim. É apenas um curioso estudo de caso de como fazer (ou não fazer) política e sua relação com questões internas e externas. Desta forma conseguimos elaborar uma breve retrospectiva de seu governo através de seus próprios tweets.
Uma das primeiras medidas de seu governo foi a suspensão da entrada de todos os refugiados e imigrantes oriundos da Síria, Irã, Sudão, Líbia, Somália, Iêmen e Iraque. Em comum todos esses sete países são de forte tradição muçulmana. Alegando “proteger o povo norte-americano de ataques de estrangeiros admitidos nos Estados Unidos” seu decreto foi fortemente criticado por organizações de defesa dos direitos humanos. “Excluir as pessoas segundo sua nacionalidade — para obter, na prática, um veto baseado na religião — contraria o tecido moral da nossa nação e os nossos interesses de segurança nacional”, disse em nota a presidenta da ONG Centro para o Progresso Americano, Neera Tanden. Após ser derrubado duas vezes por juízes de instâncias locais, por considerarem que tal medida feria a Constituição estadunidense no que diz respeito à liberdade de religião, o decreto entrou em vigor enquanto aguarda que a Suprema Corte avalie o caso.
Ainda no começo de governo veio a estapafúrdia proposta de erguer um muro por toda a fronteira entre os Estados Unidos e o México. Projeto que já vinha desde sua candidatura, onde Trump declarou que o país vizinho enviava “traficantes e estupradores” para os Estados Unidos. Tanto o muro quanto o discurso parecem absurdos, porém o presidente consegue ir além. Segundo ele, em sua conta pessoa no Twitter, os custos do muro serão repassados ao México:
Também ocorreu o controverso afastamento de James Comey, diretor do FBI que investigava a interferência russa nas eleições estadunidenses de 2016 e a relação com a campanha de Trump. Claro que ele usou sua conta para se posicionar sobre o caso, criticando aquilo que ele chama de “caça às bruxas”:
O presidente/ex-apresentador do The Apprentice (O Aprendiz, na versão brasileira) também utilizou sua conta para comunicar a demição do secretário de Estado Rex Tillerson. Já imaginou ser demitido via twitter? Pois é, ele fez isso. Ao vivaço! Rex Tillerson deixou o cargo afirmando que só foi notificado pessoalmente quatro horas após o tweet do Trump.
Trump não usa sua conta apenas para questões internas do seu governo, ele também a usa para discutir as relações internacionais dos Estados Unidos. Aquilo que porta-voz do Kremlin, Dmitry Peskov, chamou em tom de ironia de “diplomacia via Twitter”. Um dos casos mais emblemáticos é a relação entre EUA e Coreia do Norte, que você pode ler mais a respeito no textão do Nerito).
Essa estreita relação entre público e privado não teve implicações somente em seu governo. No último mês, após sete usuários bloqueados por Trump em seu perfil pessoal no Twitter entrarem com um processo em Nova Iorque, o judiciário estadunidense decidiu que tal ação fere a Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos. Desta forma ele não poderá mais bloquear usuários, tanto no perfil oficial de presidente, quanto no seu perfil pessoal.
A decisão completa pode ser acessada aqui, porém vamos fazer uma breve análise da discussão que essa decisão propõe.
“A exclusão baseada no ponto de vista dos indivíduos demandantes do fórum público designado é proibida pela Primeira Emenda e não pode ser justificada pelos interesses pessoais na Primeira Emenda”, concluiu a juíza Naomi Reice Buchwald, ao julgar o caso.
A Primeira Emenda à Constituição estadunidense é aquela que versa sobre liberdade de expressão. No trecho acima a juíza Buchwald expõe que em sua decisão ela considera que ao bloquear outros usuários Donald Trump estava privando-os de participar de um fórum público estabelecido no Twitter, restringindo assim suas liberdades de expressão. Da mesma forma que o presidente não poderia fazer uso desta mesma premissa por considerar que ele exerce controle governamental sobre certos aspectos da conta @realDonaldTrump.
“Estamos contentes com a decisão do tribunal, que reflete uma aplicação cuidadosa dos princípios fundamentais da Primeira Emenda para a censura governamental em uma nova plataforma de comunicação. A prática do presidente de bloquear críticos no Twitter é perniciosa e inconstitucional, e esperamos que essa decisão a leve a um fim”, disse Jameel Jaffer, diretor executivo do Knight First Amendment Institute.
Parte dos desdobramentos dessa decisão, por ser muito recente, não está clara. Por exemplo como se dará o desbloqueio dos estadunidenses que foram bloqueados por Trump. Porém o interessante aqui é traçar paralelos caso essa decisão abra de fato esse precedente pelo seu enorme potencial de impactar outros casos em que funcionários públicos bloquearam usuários por algum motivo.
Fica como consideração final um questionamento. Se o Twitter é um “fórum público designado” fazer parte dele é um direito que está diretamente atrelado a questão do acesso à internet. Desta forma, considerando a decisão, para um pleno exercício democrático se faz necessário que todos os tenham o direito de acessar a internet — o que ainda está bem longe de ser uma realidade, visto que apenas 64,7% da população brasileira tem acesso à internet. O quanto da nossa democracia é comprometida por ter esse direito cerceado?