Só na UFF…

Juliana Machado
Lindíssima disse tudo
5 min readJul 3, 2018

Nesse semestre tive a incrível oportunidade de cursar uma disciplina de dois professores maravilhosos: Marco Schneider e Josir Gomes. O primeiro é professor de Jornalismo da UFF e o segundo é seu aluno de doutorado e trabalha na área de Tecnologia da Informação. Schneider também é professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação, onde Josir faz seu doutorado. O PPGCI, por sua vez, faz parte do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia da UFRJ, o IBICT.

Apesar de ser aluna de Publicidade, resolvi fazer essa matéria porque já conhecia o Schneider e o considero um excelente professor. Além de marxista, ele é conhecedor de muitas áreas e se interessa por muitas coisas. Fiz o meu pré-projeto do TCC em uma disciplina dele, e apesar de ser de uma área bem diferente da sua, ele se interessou e foi capaz de me ajudar imensamente.

Enfim, sobre a disciplina em si não tenho muito o que dizer. Queria falar sobre o trabalho que eles vêm fazendo no IBICT.

Eles vêm desenvolvendo um projeto chamado FARMi (Financiamento de campanhas eleitorais, ação política, repercussões midiáticas e informacionais) que, segundo a definição do site “é uma plataforma desenvolvida pelo grupo de pesquisa Perfil-i (Perspectivas Filosóficas em Informação) no âmbito do projeto Fluxos Informacionais, Cultura Política e Competência Crítica em Informação”, que pretende “ser uma plataforma digital de acesso público para apresentar cruzamentos, análises e visualizações de informação referente a financiamentos eleitorais, atuações parlamentares e repercussões midiáticas, tanto nas mídias convencionais como nas redes digitais, partindo da materialidade sócio-histórica dos registros.”

Eles trabalham com o conceito de dados abertos, que consiste basicamente em dados de acesso e reprodução livres. Ou seja, qualquer dado que possa ser acessado por qualquer pessoa na internet é considerado um dado aberto, desde que essa pessoa possa fazer o que quiser com esse dado — sem restrições.

Como aluna de Publicidade, nunca nem tinha ouvido falar desse termo. Porém, os alunos de Jornalismo que estavam nessa disciplina se mostraram muito animados quando souberam que esse tema seria abordado. Pelo que entendi, o jornalismo de dados abertos tá super em alta.

Aprendemos bastante sobre os tais dados abertos e tivemos inclusive uma aula com um especialista no assunto, o Paulo César Castro. Ele também é pesquisador e professor do IBICT e também é professor da ECO-UFRJ.

Em maio de 2012, entrou em vigor a Lei de Acesso à Informação, criada pela presidenta Dilma, cujo lema é “O acesso à informação é regra; o sigilo é a exceção”. A lei funciona como um instrumento para combate e prevenção da corrupção, e obriga os governos a disponibilizarem livre acesso da população à suas informações. A exemplo do Portal da Transparência, que já disponibilizava informações de gastos do governo federal, com a Lei do Acesso à Informação os governos estaduais e municipais também seriam obrigados a disponibilizar suas informaçôes para a consulta pública, sem restrição.

Essa lei, sem dúvidas, colaborou fortemente com o desenvolvimento do jornalismo de dados no Brasil. Porém, quem trabalha com isso precisa ter um vasto conhecimento de análise de dados, já que as informações vêm em arquivos gigantes e uma pessoa comum dificilmente vai conseguir encontrar um dado específico.

Vou utilizar um trabalho que os pesquisadores do FARMi fizeram para explicar melhor. Depois do assassinato da vereadora Marielle Franco, começaram a surgir inúmeras fake news sobre ela. Além de barbaridades sobre possíveis relacionamentos de Marielle com chefes do tráfico e da milícia, surgiram pessoas falando sobre ela não ter recebido votos em favelas do Rio e ter recebido votos apenas onde a elite vota. Josir utilizou dados coletados do próprio site do TRE-RJ para descobrir que isso não era verdade. Porém, além de coletar os dados, ele também fez uma extensa análise. Descobriu, por exemplo, que na zona eleitoral da Rocinha só constam 3.859 eleitores, enquanto o número de habitantes da favela gira em torno de 70 mil. Com isso, chegou à conclusão de que os eleitores que moram na Rocinha provavelmente votam em outra zona eleitoral. Ao analisar a quantidade de eleitores de São Conrado (mais de 37 mil) e de moradores de lá (pouco mais de 4 mil), entendeu que provavelmente os moradores da Rocinha votam na zona eleitoral de São Conrado. Então não adiantaria contabilizar apenas os votos da zona eleitoral da Rocinha para saber quantos moradores da favela votaram na Marielle, mas sim somar os votos que a vereadora recebeu na zona eleitoral de São Conrado. O mesmo acontece na Maré, favela onde Marielle foi criada. Na zona eleitoral da Maré, há apenas 8.984 eleitores, enquanto no último censo constavam 129 mil moradores. Seguindo o mesmo raciocínio, Josir descobriu que, como as seções eleitorais da Maré são muito recentes, muitos dos habitantes da favela votam em seções mais antigas, como em Ramos e Bonsucesso.

Marielle Franco na favela da Maré

Tal análise só foi possível porque o pesquisador possui amplo conhecimento em análise de dados. Apesar de a informação estar disponível para qualquer um, apenas uma pessoa que saiba utilizar programas específicos consegue “limpar” os dados de maneira a extrair apenas a informação necessária. Ao entrar no site do TRE-RJ, você não consegue saber imediatamente quantos votos uma pessoa recebeu em tal zona. Para isso você precisa de um conhecimento específico.

O projeto do FARMi pretende trabalhar com cruzamentos de dados e análises críticas sobre eles. É um projeto seríssimo de uma equipe muito inteligente, sensata e bem preparada. Por enquanto, como ainda estão no início, eles fizeram uma compilação de outros sites que fazem trabalhos parecidos. Porém, muitos fazem apenas o cruzamento de dados sem uma análise dos mesmos, e outros não disponibilizam a base de dados que utilizaram. O FARMi pretende ser o mais transparente possível, mas os pesquisadores acreditam que utilizar os dados sem fazer uma análise crítica (como foi feita na pesquisa sobre os votos da Marielle) não será de grande serventia para a construção de uma sociedade mais democrática.

Artigo da revista New Left Review

Apesar de o projeto ainda estar bem no início, ele já está começando a ter um certo destaque. Em abril foram citados em um artigo publicado pela New Left Review, uma revista britânica de esquerda muito conceituada.

Para quem se interessar, o site do FARMi é farmi.pro.br

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