Uma liberdade ou uma escapatória?

Beatriz Matos
Lindíssima disse tudo
3 min readJun 5, 2018

Meu primo recentemente foi morar em Nova York por conta de um estágio na área de publicidade. E ele como youtuber e ativista, está sempre postando nos seus stories no Instagram sobre o look do dia, eventos, trabalho e situações desagradáveis. Ontem (23/05), ele postou que estava em um bar com amigos brasileiros e americanos, e uma mulher os questionou sobre o que eles estavam fazendo ali, alegando que eles não tinham visto americano. Importante ressaltar o cenário americano, em que Donald Trump é o presidente atual e tem um discurso xenofóbico, e aliado a isso meu primo é negro, latino-americano e a mulher que estava causando confusão é branca e americana. Situações como essa evocam termos como liberdade de expressão, e pela minha pouca experiência de vida e a partir da leitura do artigo “Liberdade de expressão, uma liberdade complexa” (Nara Lya Cabral SCABIN), a conclusão que tive foi que esse conceito caminha com outros como dignidade, igualdade, tolerância, que são amplamente conflituosos também na medida em que cada um compreende de uma forma distinta.

Meu primo foi questionado pelos seus seguidores sobre o fato dele não chamar a polícia para lidar com a situação, e ele respondeu citando a has tag #blacklivesmatter que faz referência ao movimento ativista internacional que campanha contra a violência aos negros, e muito se argumenta sobre a polícia americana e suas atitudes violentas e racistas. Então aparentemente chamar a polícia não seria a melhor solução.

Primeiramente, após esse ocorrido e ao ler o artigo da Scabin, penso que a americana se fosse confrontada por sua atitude claramente xenofóbica poderia recorrer a justificativa de liberdade de expressão, mas lendo esse mesmo artigo onde Barendt (2007) é citado ao dizer que não é possível falar em liberdade sem igualdade. E Mondal (2014) que concorda com essa ideia ao mencionar a inexistência de igualdade na sociedade, ou seja, existe uma luta de classes e uma desigualdade de gênero e raça que não dá para desconsiderar nos debates. Penso que, qualquer que fosse a justificativa da americana, não poderíamos negligenciar todo o histórico do negro, do latino-americano, ou do islamita. Ao defender sua liberdade de expressão, a mulher deveria deveria ter entendimento que nem todos tem o mesmo direito, ou o mesmo acesso, porque a fala representa muito o local de fala e as vivências de cada um.

Outra problemática apresentada no trabalho é que para alguns a defesa da liberdade de expressão está relacionada aos direitos individuais, e para Barendt (2007) o foco deve ser mudado para os interesses coletivos. Particularmente, compartilho da mesma visão do autor, porque por mais que a individualidade seja um aspecto que deve ter um grau de relevância, também deve ser entendido que vivemos numa sociedade, seria somente aceitável ter a individualidade considerada como meio e fim, se vivêssemos cada um em uma ilha, e não é o caso. Entendo também que muitas vezes essa atitude de defender a liberdade de expressão individual é acompanhada de uma tentativa de desmascarar atitude moralmente incorretas.

Além do mais, Stuart Hall é assinalado no artigo de Scabin ao abordar sobre as políticas de identidade, ou seja, questões que antes eram consideradas da vida privada, agora são posicionadas como conteúdo político. Nesse sentido, o autor aborda sobre uma crise de identidade que fragmentou o sujeito moderno, que tem uma pluralidade de identidades sociais dialogando entre si, como meu primo: negro, nordestino, latino-americano, gay, ativista… Todas essas particularidades fazem parte do cenário político, principalmente contestando sobre tolerância, maior representatividade, dignidade. Termos, que como mencionei, estão atrelados a liberdade de expressão e como apresenta o texto, é um terreno difícil pois tem que levar em conta a existência do outro e o outro incomoda.

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