O impacto da discriminação de género no sector da tradução

Por ser uma área composta maioritariamente por mulheres, a área da tradução pode ser encarada como menos “prestigiante”, de acordo com um estudo. É necessário combater estereótipos para a valorização da profissão.

Bruno Portela
Lingfy-pt
6 min readMar 9, 2018

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Nunca mais me vou esquecer do que disse a uma colega do serviço mundial da BBC em Londres. Quando ela fez 30 anos, disse-me que sentia o seu relógio biológico a despertar e que estava preocupada com a dificuldade que sentia no seu objectivo de ter filhos.

A precariedade do seu vínculo laboral e a incerteza devido à crise económica de 2008, levava-a a crer que o sonho de ser mãe poderia não passar disso mesmo… de um sonho. “Pois é, não se pode ter tudo”, respondi eu com uma certeza estupidamente arrogante.

Quase 10 anos volvidos, mudei (felizmente) de opinião. Acredito que é um dever moral de cada um de nós reivindicar a igualdade de direitos entre homens e mulheres. Temos de lutar por uma sociedade mais justa e equilibrada, onde o nosso género não pode servir como condicionante ao nosso sucesso profissional.

As (muitas) raízes do problema

Em minha casa, para além de outras tarefas domésticas, sempre tratei da roupa. Nem imaginam a minha surpresa, quando vi numa reportagem da SIC sobre igualdade do género, que apenas 4% dos homens em Portugal admitem lavar e cuidar da roupa, de acordo com um inquérito de 2013 do Instituto Nacional de Estatística (INE).

Eu já sabia que havia poucos homens a tratar das lides domésticas. Mas nunca imaginei que essa percentagem fosse tão baixa. Comecei rapidamente a gabar-me desse facto e em cada reparo feito pela minha mulher ao meu desempenho doméstico, lá vinha a famigerada estatística e a “sorte” que ela tinha.

A ideia que as mulheres devem sentir-se “privilegiadas” por terem maridos que as ajudam, é o tipo de pensamento que ajuda a perpetuar as desigualdades. Ajuda também a evitar que ambos partilhem de forma equilibrada esses afazeres.

Mas o problema está tão enraizado na nossa sociedade, que não podemos atribuir a culpa exclusivamente aos homens. As mensagens de secundarização do papel das mulheres são repetidas constantemente durante o seu crescimento. Por isso é normal, ouvirmos dizer que um homem não faz muitas tarefas domésticas porque dedicam mais tempo à vida profissional e também porque eles se encarregam da bricolage ocasional.

Como em tudo na vida, a ignorância não ajuda e nesta área é gritante. De acordo com a Comissão Europeia (CE), apenas 26% dos europeus estão cientes do requisito legal de igualdade de pagamento para o mesmo trabalho nos seus países. Mas para além disso, há vozes críticas que afirmam que a desigualdade salarial é um mito. Lisa Annese refuta de uma forma clara esses argumentos:

As mulheres recebem menos porque “optam” por trabalhar part-time ou não fazem horas extra como os homens

Em países onde a taxa de desemprego feminino é baixa, o fosso salarial entre os sexos é menor, como acontece em Itália onde não chega aos 10%. Isto pode reflectir uma menor percentagem de mulheres não qualificadas no mercado de trabalho.

Mas essa diferença agrava-se em países onde há segregação laboral e as mulheres estão restringidas a alguns sectores ou profissões, como na República Checa, Estónia e Finlândia, ou uma parte significativa das mulheres trabalham em part-time como a Alemanha e Áustria. Nestes casos, a diferença salarial entre homens e mulheres pode chegar aos 30%.

As mulheres “escolhem” trabalhos menos bem pagos

Estudos revelam que quando um grande número de mulheres começa a trabalhar num sector, todos começam a receber menos, como consta neste artigo. Como se isso não fosse suficientemente grave, um outro estudo demonstra que quanto mais elevado o número de mulheres a trabalhar numa determinada área, menor é a percepção do seu “prestígio”.

Equilíbrio entre vida profissional e familiar

Há na Europa mais mulheres do que homens que escolhem tirar licença parental. Em conjunto com a dificuldade em encontrar sítios que tomem conta de crianças e que permitam conciliar com diversos horários e turnos, são factores importantes que muitas vezes empurram as mulheres para fora do mercado de trabalho. Apenas 65,8% das mulheres na União Europeia com filhos pequenos estão a trabalhar, comparado com 89,1% dos homens. Na Europa, 32% das mulheres trabalham em part-time, comparado com apenas 8% dos homens, refere a CE.

Estereótipos

A segregação laboral está frequentemente ligada aos estereótipos. Apesar da maioria dos recém-licenciados serem mulheres (cerca de 60%) elas são uma minoria em áreas como a matemática, a informática e a engenharia. Devido a isso, menos mulheres trabalham em sectores científicos e técnicos e estão presentes em profissões menos valorizadas e com remunerações mais baixas.

E o sector da tradução?

Um estudo de mercado nos estados Unidos, revela que há mais de 3 mil empresas dedicadas à tradução e que mais de 60% das pessoas empregadas nesta área são mulheres.

Esta profissão apela seguramente às mulheres. O trabalho freelance permite trabalhar a partir de casa, o que dá liberdade para terem filhos se o desejarem. A tradução e, em particular, a interpretação requerem excelentes competências interpessoais.

É reconhecido que as mulheres são mais intuitivas emocionalmente e mais hábeis a criar empatia com outras pessoas. Há casos particularmente sensíveis, como a interpretação de um caso de violação perante um médico ou juiz, que são preferencialmente atribuídos a mulheres.

Também várias investigações concluem que as mulheres podem ser melhores que os homens em situações de multi-tasking, o que lhes dá uma vantagem na forma como percepcionam e lidam com duas ou mais línguas distintas.

Mas será que as mulheres são melhores tradutoras que os homens? Creio que essa pergunta não faz muito sentido. Acredito que mais importante, é tentar descobrir até que ponto o sector da tradução é desvalorizado, por ser composto maioritariamente por mulheres.

O que fazer?

Tendo em conta estes factos, faz sentido continuar a marcar, celebrar, festejar, reivindicar o dia Internacional da Mulher? A maioria dos europeus (58% homens e 51% mulheres) pensa que é dada atenção suficiente à paridade de salários nas suas empresas, isto apesar de 69% dos europeus pensarem que as mulheres ganham menos que os homens.

Ao mesmo tempo, 90% dos europeus acreditam que não é aceitável que as mulheres recebam menos que os homens por desempenharem as mesmas funções. Então o que podemos fazer quanto a isso?

Precisamos de agir colectivamente na divulgação deste problema e não compactuar com a injustiça através do nosso silêncio. As quatro horas diárias despendidas pelas mulheres nas tarefas domésticas, tornam-se em anos durante toda uma vida. Essa falta de tempo impede a maioria das mulheres de seguirem uma carreira profissional, de se dedicarem a outras actividades de lazer ou, simplesmente, terem mais tempo para elas próprias.

Como homem, acredito que a igualdade de género é uma necessidade premente. Por elas e por nós homens. Eu digo que lavo a loiça, ponho a roupa a lavar, faço compras para a casa e até dou a minha opinião sobre tapetes engraçados para a cozinha.

Como homem, acredito que não somos obrigados a pagar a despesa numa refeição romântica com uma mulher ou que temos de sentir vergonha por elas ganharem mais do que nós.

É tempo de deixar para trás o nosso papel de “machos”, que evitam a um custo incompreensível os sentimentos e as lágrimas, para sermos os “valentes” protectores das mulheres. Como homem digo: basta de discriminação do género! Por elas, por nós, por todos!

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Bruno Portela
Lingfy-pt

Founder at @lingfycom. Translation afficionado, avid reader about entrepreneurship and personal development. Training for a marathon. https://lingfy.com/