A imprensa tem lido o que você diz sobre ela

Alisson Coelho
Linguagens e Práticas Jornalísticas
3 min readMay 6, 2016

Ler comentários em matérias jornalísticas na internet pode ser enlouquecedor, ou enriquecedor. Tudo depende do porquê você está fazendo isso. Tenho lido comentários sistematicamente nos últimos meses, sempre de reportagens de um mesmo assunto, sempre em três veículos de imprensa específicos. Isso é parte da minha pesquisa de doutorado em Comunicação, e a ideia é que desemboque em uma tese a ser defendida até março de 2019.

Mas eu, e os outros tantos pesquisadores que estão fazendo isso, não somos os únicos a ler o que as pessoas dizem nas caixas de comentários. Durante o meu mestrado, defendido no ano passado, passei pelas redações de quatro grandes jornais brasileiros com o objetivo de observar de que forma cada uma daquelas publicações tratava os comentários em suas matérias e em suas páginas no Facebook, ou menções no Twitter.

Folha de S. Paulo, O Globo, Zero Hora e Correio Braziliense, em maior ou menor grau, mantém algum tipo de observação constante do que é falado sobre seu trabalho nas redes sociais. Mais do que isso, mesmo com grandes variações entre cada empresa, todos eles fazem circular dentro da redação as impressões dos leitores sobre sua forma de fazer jornalismo. Teoricamente tenho chamado isso de circulação responsiva, a circulação dentro das redações de respostas dos leitores aos estímulos provocados pelo jornalismo.

Lembrei de tudo isso por uma trivialidade. Eu não estava coletando dados para a minha pesquisa. Estava, sim, perdendo tempo lendo uma matéria sobre o meu time, o Internacional de Porto Alegre. Era uma notícia simples: o Inter receberá, na próxima semana, um grupo de atletas com contrato vigente e que estão emprestados a outros times para as disputas dos estaduais (http://globoesporte.globo.com/rs/futebol/times/internacional/noticia/2016/05/pacote-de-emprestados-volta-ao-inter-apos-gauchao-e-tera-futuro-analisado.html). Nada polêmico, nada realmente profundo.

Por hábito, ao final da leitura, desci até a caixa de comentários. O primeiro comentário era uma cacetada no repórter: “Que matéria horrível. Fez parecer que todos esses jogadores são totalmente sem qualidades, total desconhecimento dos atletas, além de não informar o desempenho que tiveram em seus períodos de empréstimo”. As duas respostas a esse comentário concordam com o argumento: “E o trabalho que isso dá?”, responde um leitor, seguido de outro: “Antonio falou e disse. Fazer um trabalho decente dá muito trabalho. É mais fácil fazer uma pesquisinha meia-boca e já era”.

Particularmente havia lido a tal notícia sem muita atenção. Voltei e reli. Não é que os leitores estavam certos? Cabiam mais informações naquela pauta, apesar de, como jornalista, entender que nem sempre o repórter tem tempo ou todas as informações para algo mais aprofundado em pautas corriqueiras como essa.

A questão toda é a capacidade do público perceber a qualidade do produto jornalístico ofertado. E a partir dessa percepção fazer uma crítica — que não é a grande crítica profissional — mas é uma crítica pertinente. Se, como eu afirmo no título desse texto, as redações estão lendo esses comentários, é hora de começar a transformar essa escuta em ações práticas.

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