“AI, QUE NOJO!” — SOBRE CULINÁRIA, CULTURA E PRECONCEITO

Elizabete Rocha de Souza Lima
Linguarudo
Published in
3 min readSep 8, 2016

A realização de um projeto de letramento e ensino de inglês que pensou o ensino de línguas a partir de comidas diferentes

No segundo semestre de 2013, propus para alunos de uma turma da Educação de Jovens e Adultos (EJA) da cidade de Imperatriz, no interior do Maranhão, um projeto de letramento e ensino de língua inglesa. Muito além do inglês, os alunos, que estavam na reta final do Ensino Médio, descobriram que nem sempre o que veem corresponde ao que pensam ser e o que pensam, às vezes, precisa ser repensado.

Numa das aulas do projeto de língua inglesa “Você sabe o que está comendo?”, mostrei 15 slides com fotos de comidas de diferentes culturas, porém, sem nenhuma indicação do nome, dos ingredientes ou do local de origem das comidas. O objetivo da aula era entender a importância da leitura como fonte de informação para formação de opinião sobre o que se ouve ou vê. Enquanto passava cada eslaide, eu perguntava: Would you eat that food?. Motivados somente pela aparência da guloseima, os alunos, em coro, respondiam Yes! ou No! E, dependendo da aparência do que viam, esboçavam reações de rejeição como: “Eca!”, “Que nojo!”. “Nossa!”, “Credo!” ou de aceitação: “Humm!”, “Delícia!”, “Ai, que fome!”.

Foi muito engraçada a cena dos alunos descobrindo que aquela comida, que na foto aparentava ser igualzinha ao delicioso arroz maranhense, bem temperado, era, na verdade, escamole ou, simplesmente, caviar de insetos, cujo principal ingrediente são larvas de formigas. Os estudantes tiveram uma reação semelhante quando descobriram que a bird’s nest soup, um dos pratos mais caros do mundo, não era, como aparentava, o afrodisíaco caldo de ovos com limão e pimenta malagueta servido no Maranhão, mas uma sopa raríssima feita com a saliva de um pássaro.

“Mas, a coisa tomou novo rumo quando percebi que, meus alunos ao descobrirem as informações, sobre as comidas, faziam comentários pessoais que revelavam algo que ia além do seu gosto culinário ou das características da culinária de outros povos. Na verdade, era a visão deles sobre a cultura das pessoas que gostavam daquelas comidas” observou a professora, após ouvir declarações como: “A comida deles é muito nojenta!” “Eles comem até cachorro!”. “Notei que para os alunos, quanto mais diferente fosse a comida, mais estranhos ou nojentos seriam os seus apreciadores” destacou.

Isso ficou evidente quando ela mostrou a foto da mopane (espécie de lagarta ou bicho da seda usada na culinária africana) algumas alunas viram semelhança entre as lagartas e o gongo (uma larva de besouro encontrada no coco babaçu, muito comum no Maranhão). Quando uma aluna revelou que se fosse gongo ela comeria. A professora então perguntou: “Quer dizer que gongo desce lagarta, não?” A aluna, rapidamente, respondeu “Sim”. Uma segunda aluna exclama sorrindo: “Mas o gongo é uma lagarta!”. A opinião da primeira aluna é justificada por outra colega que explica: “Mas, o gongo é mais limpinho ele só fica no coco”.

A professou ficou surpresa quando a maioria dos alunos estranhou o Klash,comida típica da Armênia. E mais, além de repudiar a comida, também projetaram ideias negativas acerca das pessoas que apreciam tal comida. No entanto o Klash é feito com os pés, o cérebro e o estômago da vaca. A estranhesa veio porque, com exceção do cérebro, os outros são os principais ingredientes de uma comida típica da cidade, a panelada. Mais tarde, numa pesquisa de campo, a turma descobriu que a panelada é apreciada por pessoas de todas as faixas etárias e classes sociais da cidade, por isso é a mais procurada tanto nos restaurantes populares quanto nos restaurantes especializados em culinária local.

Assim, entre risos e reflexões a turma aos poucos foi descobrindo que antes de fazer afirmações sobre algo ou sobre alguém a melhor saída é se informar e confirmar se o que se vê ou se ouve é realmente aquilo que aparenta ou que dizem ser.

Se você quiser saber mais sobre outras descobertas da turma leia a Dissertação de Mestrado (RE) PENSANDO O MATERIAL DIDÁTICO DE LÍNGUA INGLESA PARA A EJA EM UMA PERSPECTIVA SOCIAL INCLUSIVA, da professora Elizabete Lima, disponível emhttp://www.repositorio.jesuita.org.br/handle/UNISINOS/3778. Também pode conhecer mais sobre comidas, diferentes ou semelhantes àquelas, que você normalmente come em sua comunidade, no site: http://list25.com/25-of-the-strangest-foods-from-around-the-world/

Por Elizabete R. de S. Lima

Professora de Língua Inglesa (UEMA/CEJA- Imperatriz — MA)

Mestra e Doutoranda em Linguística Aplicada(Unisinos)

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