Alguém sabe o que é álcool?

João Padilha
Linguarudo
Published in
3 min readAug 3, 2016

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Se você respondeu que o álcool é um composto químico, você acertou (e provavelmente entende um pouco de Química!). Mas a pesquisa apresentada aqui não pertence a essa área. Se alguém, por acaso, pensou na palavra combustível, não deixa de ter razão. Se você lembrou que o fim de semana está chegando, e, com ele, aquela cervejinha com o pessoal, talvez este texto lhe interesse.

Embora haja um consenso de que o álcool é um tipo de droga legal, um estudo preliminar aponta que textos midiáticos, em sua maioria, jornalísticos, contradizem essa classificação ao separarem as expressões “álcool” e “droga (s)”. De maneira geral, a pesquisa leva em conta a ideia de que o significado das palavras em uso vai além do que dizem os dicionários ou as línguas de especialidade, afetando nossas vidas.

Apresento aqui parte de meu trabalho em andamento, vinculado à Linguística Aplicada, área do conhecimento que se propõe a abordar problemas do mundo real que envolvem língua e linguagem. Minha pesquisa trata da categorização, um tema amplamente discutido, desde a antiguidade clássica até o presente momento. Como se pode supor a partir disso, não é objeto exclusivo de uma área do conhecimento em particular: as discussões em torno da categorização iniciam na Filosofia e estendem-se a outras áreas, como a lógica, a psicologia cognitiva e, claro, a Linguística. Em linhas gerais, categorizar é a atividade de identificar os seres no mundo e agrupá-los em categorias. O objetivo da pesquisa não é propor um modelo teórico “novo” de categorização, mas estudar os processos de categorização de álcool que emergem em textos midiáticos. Um breve exame de dados mostra categorizações não apenas conflitantes, mas que afetam o entendimento dos termos álcool e drogas em uma comunidade de falantes.

Ao analisar um conjunto de textos extraídos do jornal Folha de São Paulo, constatei que, na maioria das amostras de textos em que as palavras “álcool” e “droga (s) ” ocorrem juntas — 49 casos, exatamente — o primeiro termo é dissociado do segundo, contrariando a voz dos especialistas. Sentenças como “ela passou por crises agravadas pelo uso de drogas e álcool” apontam nessa direção. Em oposição a isso, 21 sentenças confirmam o que diz o discurso especializado, afirmando que o álcool é uma droga: “[…] crianças, em todo o mundo, consomem álcool e outras drogas […]”.

As consequências desse tratamento “flutuante” da categoria álcool — ora referida como droga, ora não — podem influenciar diretamente nossa vida. Não é uma questão simplista de assumir que as palavras significam aquilo que consta nos dicionários. Assumindo que o álcool é uma substância entorpecente, como informa o NIDA — National Institute on Drug Abuse, uma instituição estadunidense que estuda os efeitos de diferentes drogas no organismo humano — e que seu uso frequente causa males à saúde; podemos medir e problematizar seu consumo. Quando separamos álcool e drogas, podemos estar colocando não apenas nossa saúde e nossa vida em risco, mas também a vida daqueles que cruzarem nosso caminho. Isso acontece, por exemplo, ao fazermos uso irresponsável da substância, consumindo-a antes de dirigir.

Embora seja um estudo inicial, confirma em parte algo que eu já tinha notado ao assistir noticiários na televisão aberta. Sempre que ouvia a expressão “álcool e drogas”, me perguntava o que seria álcool, nesse contexto, senão um tipo de droga. O passo seguinte foi a confirmação de que esse tratamento se repetia em textos jornalísticos escritos. Para dar continuidade ao estudo, meu próximo objetivo é ampliar a pesquisa estudando também textos midiáticos orais.

E aí? Depois disso tudo, quem topa uma cervejinha?

João Gabriel Padilha é estudante do curso de doutorado do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada, na Unisinos, em São Leopoldo, RS.

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