Análise da Conversa: a ciência das interações sociais

Paola Gabriela Konrad
Linguarudo
Published in
3 min readSep 10, 2020
Fonte: Canva.

Uma ligação telefônica, uma conversa entre amigos, uma refeição em família, uma consulta médica. O que há de comum nessas situações além do fato de serem eventos da vida cotidiana? A interação social. É em acontecimentos como esses que as pessoas interagem umas com as outras a partir das mais variadas ações sociais. É em eventos como esses que as pessoas contam novidades, convidam, aceitam ou recusam algum convite, discutem, explicam, recomendam, concordam ou discordam sobre alguma questão, dentre muitas outras coisas.

E você sabia que existem pesquisadores que se dedicam a analisar cientificamente como as pessoas realizam ações sociais (como as exemplificadas acima) ao interagirem com outras? São os analistas da conversa. São pesquisadores que encontram na vida cotidiana o seu objeto de estudo. São pesquisadores que encontram na conversa uma ordenação passível de investigação, e que mostram, em suas análises, que a conversa não é aquela coisa caótica como muitos pensam, e que as pessoas se organizam socialmente por meio das interações.

Para analisar essas interações humanas, não basta apenas ver ou ouvir uma única vez o que as pessoas fazem ao interagir. A abordagem na qual os pesquisadores da fala-em-interação se ancoram, a Análise da Conversa, assim como qualquer outra ciência, demanda muitos passos antes de se chegar à análise propriamente dita. Só para você ter uma ideia, algumas dessas etapas resumem-se em: definir o contexto real a ser analisado, explicar os propósitos da pesquisa para os participantes daquele evento interacional, convidá-los a participarem do estudo por meio da autorização de gravações audiovisuais das interações nas quais participam, gravar e observar as interações entre as pessoas que autorizaram a sua participação no estudo, realizar notas de campo sobre as interações e o evento analisados. Cansou? Pois é. Não parou por aí.

Depois de registradas as interações humanas em áudio e/ou vídeo, há um longo (para não dizer exaustivo!) percurso pela frente: a transcrição dessas interações gravadas. E as transcrições realizadas por analistas da conversa não se limitam a transformar em texto escrito aquilo que é falado na interação real. Há muito mais detalhamento nesse trabalho. Com a finalidade de representar graficamente as interações gravadas da maneira mais fiel possível ao modo como realmente aconteceram, os analistas da conversa, ao transcreverem, utilizam-se de diversos símbolos gráficos que correspondem a como a fala foi produzida (fala alongada, falas sobrepostas, ausência de fala, fala com volume mais alto/baixo, fala com velocidade mais rápida/devagar, etc.). Muitos analistas da conversa ainda registram, na transcrição, as condutas não verbais (gestos e direcionamentos de olhar, por exemplo) realizadas pelos participantes de uma interação.

E como fica essa transcrição? Mais ou menos assim:

Fonte: Transcrito pela autora.

É a partir desse minucioso trabalho que os analistas da conversa são capazes de enxergar a “anatomia” das interações sociais. É como se eles utilizassem uma lupa para captar cada detalhe — que comumente se passa por desapercebido — das interações humanas.

Mas pra que tudo isso, você deve estar se perguntando. Para que se possa compreender, com base nas evidências demonstradas na própria interação real, como as pessoas se organizam socialmente ao interagirem com outras, como as pessoas agem no mundo; como elas ensinam, aprendem, explicam, recomendam, tomam decisões conjuntamente, comunicam notícias (boas e ruins), acusam, defendem-se, contam histórias, dentre uma infinidade de outras coisas, por meio das interações sociais.

Paola Gabriela Konrad /

Mestra e doutoranda em Linguística Aplicada (UNISINOS)

Para saber mais:

Vídeo: Análise da Conversa: um olhar científico sobre as falas | Ana Cristina Ostermann | TEDxUnisinos. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=793FZpy0NF4&t=140s

Artigo: Análise da Conversa: uma breve introdução (SILVA; ANDRADE; OSTERMANN, 2009). Disponível em: http://www.revel.inf.br/files/artigos/revel_13_analise_da_conversa.pdf

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Paola Gabriela Konrad
Linguarudo

Licenciada em Letras pela Unisinos/RS e mestra e doutoranda em Linguística Aplicada pela mesma instituição.