Deu zika na mídia

Pesquisa aponta que a voz das vítimas é uma das menos priorizadas pelas notícias quando o assunto é o Zika vírus e a microcefalia

Débora Kreuzberg
Linguarudo
3 min readNov 7, 2016

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Durante os últimos meses, bastava um clique na Internet, um olho na TV, e lá estava ele, aprontando outra vez

Você já conhece o Aedes, não é mesmo? Sim, o da dengue. E, caso tenha acompanhado as notícias no decorrer do último ano, certamente acrescentaria mais algumas informações: “o da Zika” e “da Microcefalia” e “da Chikungunya”. Estou certa? Pois é. É quase impossível desconhecer um assunto tão veiculado na mídia…

“Mas, então, se já é tão divulgado, o que ainda faltaria saber?” Muitíssimo! Começando pelo fato de que as pesquisas científicas na área são muito escassas e contraditórias. No entanto, não é esse o foco da pesquisa que realizo na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS) como bolsista de Iniciação Científica. Que tal olharmos esse assunto por um outro viés? Mais especificamente, analisando as notícias que nos bombardeiam com esse tema.

Lembra da última vez em que leu uma notícia relacionada ao assunto? Tenho certeza de que você já percebeu que, no corpo da notícia, não tem só o jornalista falando; ele sempre precisa trazer, para seu texto, outros personagens que fazem parte da situação. As citações são um ótimo exemplo de como isso ocorre! Assim, podemos encontrar em meia dúzia de parágrafos o presidente da república, o papa, o médico que faz pesquisa e os políticos locais. Isso não é incrível?

É esse o objeto de minha pesquisa, resgatar, pesquisar, analisar as vozes que estão presentes em reportagens publicadas no período de janeiro a final de maio de 2016 pela BBC Brasil, Folha de São Paulo e Portal G1, e cuja temática sejam o zika vírus e a microcefalia. Como resultado preliminar dessa apaixonante busca, observei a quase ausência das pessoas mais diretamente envolvidas com o assunto, as vítimas e seus familiares. Isso em comparação com a enorme frequência em que aparecem as palavras das ditas “autoridades”: cientistas, políticos e representantes de instituições.

Como salienta Dominique Woltons, sociólogo francês especialista em mídias, em meu estudo também pude encontrar representantes de 4 categorias — ciência, política, comunicação e público — divididas cada qual em subcategorias. Na tentativa de englobar todos os pontos de vista encontrados, desenvolvi minha análise em torno de 13 grupos: empresas; instituição de pesquisa; instituições/organizações; país/estado/cidade; jurídico; lideranças religiosas; profissionais da saúde/ciência; políticos; população em geral; representantes de empresas; representantes de instituições/organizações; vítimas; e mídia/publicações.

Realizando um estudo quantitativo com alguns verbos de dizer (acrescentar, advertir, afirmar, destacar, dizer, enfatizar e explicar) — aqueles responsáveis por indicar com quem está a palavra — , constatei que a voz predominante nas reportagens analisadas é a da ciência, seguida pelos representantes de instituições e seu coletivo. As vítimas, curiosamente, assumem uma diminuta parcela de participação, como pode ser observado no gráfico abaixo que engloba os resultados obtidos com o verbo “dizer”:

O gráfico acima representa o número de incidências de diferentes vozes em função dos variados pontos de vista observados. É possível verificar que a voz mais reproduzida é a da ciência, dos especialistas, seguida pelos representantes de instituições e o seu coletivo. As vítimas mantêm um reles quarto lugar. Já as demais categorias assumem uma participação mais secundária, como é o caso do jurídico, veiculado apenas em relação à questão do aborto em casos de microcefalia.

Portanto, me diga você: se quero tornar público algo que vem amedrontando o país, como uma epidemia, quem melhor do que os próprios atingidos por ela para retratarem a realidade?

Tenho quase certeza de que, embora tenha assistido ou lido dezenas de reportagens sobre o zika vírus e a microcefalia, você não havia reparado nesse pequeno imenso detalhe. Bom, basicamente, isso é produzir conhecimento com instrumentos de uma ciência chamada Linguística. Ou seja, trata-se de desvendar as “zikas” que a mídia, por vezes, comete!

Por Débora Inês Kreuzberg, graduanda de Letras Português (UNISINOS) e Bolsista de Iniciação Científica PROCAD, Capes.

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Débora Kreuzberg
Linguarudo

Graduanda em Letras Português (UNISINOS). Eterna amante dos livros! Poetisa e romancista nas horas vagas!