Discurso reportado: o que é e como ocorre em conversas cotidianas

Joana Restelli Ferla
Linguarudo
Published in
3 min readOct 20, 2020

Você deve se lembrar do discurso reportado pelas aulas de português que frequentou nos tempos de escola. Se está difícil recordar, aqui vai uma pequena explicação: o discurso reportado é uma ferramenta linguística usada pelos falantes para reproduzir a fala de alguém (ou de si próprio), como no exemplo ele disse que me encontraria mais tarde, no qual a pessoa que reporta — ou o reportante — conta (para alguém) o que outra pessoa lhe dissera.

Mas o que esse tal de discurso reportado, essa “ferramenta” gramatical, faz de tão impactante nas nossas interações diárias? A resposta a esse questionamento eu descobri ao analisar gravações audiovisuais de interações reais a partir de uma área de estudos linguísticos: a Análise da Conversa (abordagem por meio da qual coletamos, transcrevemos e analisamos fenômenos da linguagem).

Para a minha surpresa, ao analisar conversas cotidianas, deparei-me com a frequente (e acredite, bastante ampla!) utilização do discurso reportado em conversas, mais especificamente, em narrativas. E, diferentemente do que eu esperava (e do que eu aprendi nas aulas de língua portuguesa na escola), pude perceber que o discurso reportado não é utilizado apenas para reportar o que foi dito por alguma pessoa (ou por você mesmo) num outro momento.

Na realidade existente fora dos livros didáticos, o discurso reportado também é utilizado para fazer avaliações, para narrar um acontecimento, para esclarecer um fato, para reportar um pensamento, e por aí vai. Ao reportarmos um pensamento, por exemplo, representamos verbalmente como nos sentimos em determinado momento ou diante de determinada situação passada. Podemos, também, produzir discursos hipotéticos, quando exemplificamos a maneira como uma conversa ocorreria sob a condição de uma hipótese (“se fulana me perguntasse por que eu saí sem ela, eu diria que foi porque ela me deixou sozinha!”).

Outro fato super interessante sobre o uso do discurso reportado é que ele vem frequentemente acompanhado de gestos e de expressões faciais, condutas que nós, analistas da conversa, chamamos de ações corporificadas. Essas condutas demonstram que o discurso reportado funciona mais efetivamente ainda, levando em conta o modo como nos conectamos e interagimos com as pessoas ao nosso redor. Podemos, inclusive, alterar o tom de nossas vozes, como você já deve ter feito em alguma situação cotidiana, de forma a tornar o discurso mais fiel tanto à produção de fala quanto ao tom de voz do falante “original”. Por vezes, até somos capazes de detectar desdém, incredulidade, (auto)avaliação, ou algum outro tipo de julgamento em relação ao que foi reproduzido, tudo isso de acordo com a forma como foi reproduzido.

Assim, além de ser um tópico gramatical estudado nas aulas de português, o discurso reportado se mostra uma importante ferramenta na utilização da linguagem rotineira. Além disso, o mapeamento do seu uso no “português falado” pode nos ajudar a dinamizar o ensino desse conteúdo gramatical, a fim de aproximá-lo ainda mais da vida real dos alunos e exemplificá-lo de maneira mais comum, demonstrando os papeis que os próprios aprendizes podem desempenhar com o uso desse mecanismo linguístico.

Joana Restelli Ferla /

PPG em Linguística Aplicada — UNISINOS

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Joana Restelli Ferla
Linguarudo

Licenciada em Letras Inglês pela UNISINOS/RS Mestranda em Linguística Aplicada