Dom, missão, vocação… É tão difícil entender a docência como profissão?

Fernanda Bartikoski
Linguarudo
Published in
3 min readOct 17, 2017
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No mês de outubro, comemoramos o Dia do Professor. Nesse período, a escola sempre presta homenagens, e a própria mídia, como a televisão, por meio de seus telejornais e programas, realiza reportagens sobre o tema. Sempre temos exemplos de docentes engajados, comprometidos com a educação, apesar da realidade do ensino brasileiro. E é aí que nos deparamos com os discursos sobre a profissão de professor. Aposto que você já ouviu e/ou leu as seguintes frases: a pessoa tem que ter o dom para ser professor, o professor tem a missão de ensinar ou, ainda, eu admiro a vocação do professor. Mas será que o professor, assim como o padre, precisa ser tocado por um chamado divino ou receber o dom para ensinar?

A maioria das pessoas acredita que o professor precisa ter o dom para ensinar e que a docência é uma vocação. Pensando nessas questões que dominam o imaginário do senso comum, pesquisadores afiliados ao Interacionismo Sociodiscursivo, mas conhecido como ISD, se dedicam a estudar como se organiza o trabalho do professor. Para Jean-Paul Bronckart, principal teórico do ISD, a docência é um verdadeiro trabalho e, do mesmo modo como todos os outros profissionais, quem escolhe essa carreira precisa aprender o seu métier, ou seja, a sua profissão.

Assim como o advogado, que deve conhecer as leis, preparar documentos e frequentar tribunais, o professor também possui atividades que lhes são próprias. Mas como defini-las? Quais características são atribuídas à profissão docente? Primeiramente, podemos dizer que elas são muitas, daí a dificuldade de enumerá-las. Por isso, no dizer teórico, compreendemos o trabalho do professor como opaco (não é algo transparente, para enxergá-lo mais a fundo, é preciso estudá-lo) e multifacetado (porque lida com inúmeros públicos e contextos).

Voltando às perguntas, se formos descrever esse ofício, poderíamos pensar nas seguintes características: é um trabalho pessoal e individual; é interacional — lida com alunos, pais, outros professores, direção etc., que influenciam no seu trabalho; é mediado por instrumentos, indo desde o quadro e o giz até os conhecimentos necessários para dar aula; é guiado por leis e documentos emitidos pelos governos, além de modelos de comportamento próprios de sua profissão. Ufa! Quantas coisas devem ser administradas pelo professor, você não acha?

Assim, mesmo que o professor desempenhe seu trabalho individualmente, ele depende de outras pessoas, o que torna o seu ofício bem complexo. Além disso, existem documentos que regulamentam o ensino, como os Parâmetros Curriculares Nacionais e os Planos de Estudo das próprias escolas, e o docente precisar gerenciá-los, da melhor maneira possível, no seu planejamento e na sala de aula.

Os estudiosos do ISD defendem que o ensino é um verdadeiro trabalho, mas toda a sociedade também precisa reconhecer e compreender essa questão. O professor não tem o dom de ensinar, mas sim a capacidade de aprender o seu ofício — somente após essa mudança de visão e de discurso é que a docência poderá ser vista com mais comprometimento pelos próprios professores e pelos demais cidadãos, pois, conforme Bronckart, esse métier precisa sair da sombra.

Por Fernanda Bartikoski, doutoranda em Linguística Aplicada/UNISINOS

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Fernanda Bartikoski
Linguarudo

Mestra e Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Linguística Aplicada (UNISINOS/RS)