Para que servem as narrativas na popularização da ciência?

Êrica Ehlers Iracet
Linguarudo
Published in
3 min readAug 18, 2016
http://www.eatingtheword.com/lesson/community-and-story?w=1440

Quem não gosta de contar, ouvir ou ler uma boa história? Narrar é intrínseco ao ser humano, seja ele adulto ou criança. Desde as eras mais primitivas, contamos histórias, fatos, acontecimentos — primeiramente por meio da arte rupestre, passando pelas narrativas orais até o surgimento da escrita — , de modo a registrar, preservar e, acima de tudo, organizar e dar sentido às nossas experiências. De acordo com estudiosos da psicologia cognitiva, narrar é, antes de qualquer coisa, um modo de organização do próprio pensamento humano.
Levando-se em conta essa estreita relação entre o homem e a atividade de narrar ou de contar, fica fácil perceber e compreender a presença constante de narrativas nas mais variadas situações comunicativas do cotidiano, desde as conversas mais íntimas e informais do âmbito familiar até espaços de interação institucionalizados, como a escola, o ambiente de trabalho, a igreja e, é claro, a mídia.
Mas a questão a que se chega é: por que se narra? Dificilmente, uma narrativa tem seu fim em si mesma. Isto quer dizer que, raramente, alguém conta uma experiência ou acontecimento apenas por contar. Quando narramos, na verdade, podemos estar buscando atingir uma série de outros propósitos comunicativos, como, por exemplo, um detalhamento ou uma explicação sobre determinado assunto ou situação.
Na popularização midiática da ciência, encontramos narrativas em artigos relacionados às mais diversas áreas do conhecimento científico: biologia, química, física, história, matemática, astronomia, medicina, geologia, entre outras. Os propósitos discursivos — ou seja, os fins para os quais os textos são escritos — do uso global da narrativa ou da inserção de fragmentos narrativos nesses artigos mostram-se igualmente variados: informar o leitor sobre fatos ou descobertas científicas, explicar determinados temas e, até mesmo, defender certos posicionamentos em relação ao modo como se fazem e se compreendem algumas ciências. Diante disso, é possível também verificar uma extensa gama de gêneros textuais em que figuram as narrativas, como, por exemplo, notícias de divulgação científica, reportagens, dossiês, artigos de opinião, textos explicativos (que geralmente respondem às perguntas “Como…? ou “Por que…?), etc.
A partir de estudos dedicados à análise do emprego e do papel das narrativas em textos midiáticos de popularização da ciência, um grupo de linguistas pesquisadores da Universidade do Vale do Rio dos Sinos tem realizado interessantes descobertas sobre a função e a importância das narrativas no discurso de divulgação científica midiática (DCM).

Com base em uma amostra significativa de textos de DCM publicados nas revistas Ciência Hoje e Ciência Hoje das Crianças nos últimos dez anos, as investigações realizadas pelo Grupo CCELD (Comunicação da Ciência: Estudos Linguístico-Discursivos) evidenciam o emprego de narrativas em fragmentos ou na totalidade do texto com vistas à realização de diferentes ações discursivas. Dentre tais ações estão, por exemplo, relatar fatos e acontecimentos históricos, ativar memórias prévias do leitor, descrever os procedimentos metodológicos de uma pesquisa, explicar conceitos e fenômenos científicos ou, ainda, argumentar em favor de uma opinião pessoal do produtor a respeito de determinado assunto relacionado ao campo científico.
Os pesquisadores concluem que o uso da narrativa nesse contexto é importante para sensibilizar o leitor e despertar seu interesse e curiosidade para o tema científico tratado no texto e, sobretudo, para fornecer maiores detalhes, explicações e exemplificações. Dessa forma, segundo os estudiosos, a narrativa contribui efetivamente para a credibilidade da informação divulgada e, mais ainda, facilita a compreensão do leitor não especializado. Partindo dessas constatações, o grupo planeja dar continuidade às pesquisas sobre o uso de narrativas no discurso de popularização da ciência na mídia, buscando mostrar o seu papel constitutivo e primordial para a concretização dos propósitos comunicativos dos textos produzidos na esfera da DCM.

Por Êrica Ehlers Iracet
Mestra e Doutoranda em Linguística Aplicada
Universidade do Vale do Rio dos Sinos — UNISINOS

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Êrica Ehlers Iracet
Linguarudo

Mestra e doutoranda em Linguística Aplicada pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos — UNISINOS (São Leopoldo — RS / Brasil).