Você já teve um déjà vu durante uma leitura?

Vanessa Vingert
Linguarudo
Published in
3 min readNov 10, 2017
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Você já leu algo e pensou: já li isso em algum lugar? Você sabia que essa sensação de déjà vu — em francês, “já visto” — ao ler um texto tem uma explicação? Isso mesmo! Você não estava enganado, pois algum trecho daquele texto pode já ter sido visto em outro lugar. Isso acontece especialmente por causa de algo chamado de intertextualidade.

A intertextualidade ocorre quando há um texto dentro de outro texto. Quer dizer, quando dois ou mais textos dialogam entre si. No entanto, ela depende do repertório de leitura e de conhecimento do leitor para ser entendida. Por exemplo, se você já percebeu que aquela famosa música “Monte Castelo” da banda Legião Urbana contém trechos do poema “Amor é fogo que arde sem se ver” de Luís Vaz de Camões, isso significa que você conhecia o texto-fonte e a letra da música fez com que você ativasse esse texto em sua memória.

Então, você já deve ter notado que a intertextualidade acontece mais do que se imagina, não é mesmo? Garanto que você mesmo já utilizou muitas vezes algum intertexto. Ela pode ser empregada em discursos escritos e orais os mais diversos, em propagandas publicitárias para efeito estético e/ou humorístico, por exemplo, e até mesmo em imagens.

A intertextualidade é uma grande aliada para a escrita. De acordo com as linguistas Ingedore Koch e Vanda Elias, ela é uma boa ferramenta na hora da produção de um texto. Seu emprego passa a impressão de que o autor tem boas referências sobre o assunto e as traz para o seu texto. Em consequência, aumenta a credibilidade sobre o que é dito.

A intertextualidade pode ocorrer de duas maneiras: explícita ou implícita. Ou seja, com uma citação expressa da fonte (explícita), ou sem nenhuma citação, fazendo o leitor buscar em sua memória os sentidos e origem do texto (implícita). Para a linguista Ingedore Koch, a escolha entre a forma explícita ou implícita fica a critério de quem escreve. O autor pode pressupor que seja do conhecimento do leitor a fonte do texto, então, nem sempre a explícita, pois quem escreve pode esperar que o leitor reconheça a origem sem citá-la. Isso acontece quando o redator considera que a fonte do intertexto faz parte de um registro coletivo de lembranças, o que chamamos de “memória social”. Na música “Monte Castelo”, podemos observar claramente isso. Não há uma citação da fonte, pois se entende que todos saibam a sua origem, já que o poema de Camões é bastante conhecido e faz parte de uma “memória social”.

No último semestre deste ano, na disciplina de Texto e Discurso do Curso de Letras da Universidade do Vale do Rio dos Sinos — UNISINOS, tratamos da intertextualidade. Como exercício na disciplina, identificamos o fenômeno em textos e o efeito de sentido que o autor tentou provocar no leitor ao utilizá-lo. Durante os estudos, observamos que, de diversas formas e em diferentes textos, a intertextualidade está o tempo todo presente.

Isso nos remete ao que diz o linguista russo Mikhail Bakhtin, “cada enunciado é um elo da cadeia muito complexa de outros enunciados”. Ou seja, sempre há algo que já foi dito e que é incorporado pelos novos discursos, tornando-os então nem tão novos assim. Todo texto nasce de outros textos.

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Vanessa Vingert
Linguarudo

Graduada em Letras — Português pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS).