E se…?

Lucas Felix Novaes
Linha20
Published in
8 min readMay 1, 2020

Bem amigos do Linha20, nessa não tão adorável quarentena, faremos uma série de textos totalmente baseados em nada, para dar uma pequena demonstração do que seria o mundo do futebol se aquela bola entrasse, se aquele chute fosse pra fora, ou se aquele pênalti fosse defendido (ou não).

Para iniciar essa talvez (ou não) brilhante série, um pequeno conto sobre La primera.

Contexto

Desde o ano 2000, 4 vezes a Liga dos Campeões foi decidida por equipes do mesmo país. Porém, a edição de 2014 reservava um ingrediente extra: dois times de uma mesma cidade. Depois de meses de campanhas históricas e irretocáveis, Real Madrid e Atlético de Madrid chegaram à final. De um lado, a busca por La Primera, do outro La Décima.

O Real vinha embalado após massacrar o Bayern de Guardiola, com placar agregado de 6 a 0 e duas vitórias categóricas.

Já o Atlético era a grande sensação da temporada na Espanha ao conquistar o título nacional depois de 18 anos de jejum e permanecer invicto durante sua caminhada na Liga dos Campeões.

Antes da decisão, Atlético e Real tinham problemas na escalação. No esquadrão vermelho e branco, Arda Turan e Diego Costa eram dúvidas, e Xabi Alonso estava suspenso no time merengue.

A viagem

A viagem já durava suas 4 horas. Ainda faltavam longas 8, que Bernardo planejava usar dormindo. Que temporada incrível estava sendo aquela. Vencer La liga depois de tanto tempo… os rojiblancos viviam uma época impensável tempos atrás.

Desde aquela vitória sobre os maiores rivais fora de casa pela Copa do Rei, viviam um conto de fadas.

Mensagem vai, foto vem, virou para o pai querendo saber mais sobre a única final de Champions que tinham disputado.

Foi então que Paco disse:

- Os jogadores do Atleti já se entreolhavam, o banco pedia ao árbitro o fim do jogo, prontos para jogar tudo pra cima e festejar. Eis que, no último lance da partida, Schwarzenbeck arriscou um chute despretensioso. A bola foi diretamente no canto de Miguel Reina. O empate, já no final da prorrogação forçou uma partida extra para 2 dias depois, no mesmo Estádio de Heysel. Naquele momento eu desabei, já sabia que não seria nossa.

- E aí o segundo jogo foi aquela lavada, disse Bernardo, recordando dos 4 a 0 que a equipe sofreu do Bayern dois dias depois do momento ciado por Paco.

- Sim, como sofri, contou aos risos o pai.

Chegando em Lisboa, os dois sentiam o clima da final. Praça lotada, torcida empolgada, e tudo o que envolvia uma final de campeonato. Bebidas, pessoas descontroladas, pequenas confusões e gente pulando catraca.

Era engraçado para o jovem de 16 anos ter uma experiência dessas, e ainda mais, imaginar ser possível ver seu time derrotar o maior rival. Esse sentimento não era tão comum assim, visto a distância que tinha quase como rotineira do pai. A relação com o pai era estremecida, desde a morte de sua mãe, uns 4 anos atrás. O Atleti, os unia, de certa forma. Era o momento que tinham juntos, de final de semana em final de semana.

Em tempos, os frustrava e mostrava que ainda havia um longo caminho para que a vitória fosse alcançada. Caminho tão longo quanto o que imaginava ter de haver para que a relação dos dois fosse mais próxima.

- Nossa, não imaginava que tinha sido tão traumático assim, disse Bernardo.

- Ô se foi, fiquei dois dias sem dormir, sempre lembrando desse maldito gol no último minuto. Dessa vez vai ser diferente, completou Paco.

Pré jogo

Almoçaram próximo ao estádio da luz. Fome era a última coisa que queriam saber naquele momento. O que os unia era algo muito maior e muito mais intenso. Ter a oportunidade de acompanhar o time do coração em uma final de Champions League, era o auge da vida de ambos. A relação que em outrora fora desgastada, agora era de total união e empatia. As derrotas e vexames do Atleti, ainda os deixavam desconfiado. Os erros de ambos também estavam pra trás naquele momento. Pelo menos em um dia, as mágoas não faziam sentido.

- Sabe, pai. Acho que gosto do lado mais difícil. Não sei, vejo semelhanças no meu gosto pela vitória mais doída. Olha o nosso time. Tivemos alegrias só nos últimos, sei lá, 4 anos.

Paco concordou

- Realmente, mas não somos soberbos como os outros, né? Pelo menos valeu alguma coisa tantos domingos vendo aqueles times horrorosos na TV.

A entrada no estádio

Entrar no estádio é um momento único para quem gosta de ir à jogos. Agora, pensa se fosse na final do torneio mais importante do seu continente, numa partida com o maior rival. Paco e Bernardo sentiam medo, adrenalina, esperança, vontade de se esconder na primeira pilastra e não assistir nada do que os esperava naquele enorme campo verde que estava à frente.

A indefinição sobre a condição do Diego Costa já tinha passado. O telão mostrava que seu jogador preferido, estaria em campo na final.

A música da Xêmpions

Vocês sabem o que eles sentiram.

O jogo

A partida tinha muitas características de final, convenhamos. Pouco espaço, marcação pesada, mas a postura ofensiva das duas equipes de certa forma surpreendia.

O primeiro baque, foi aos 8 minutos. Diego Costa sentiu a coxa e pediu pra sair, deu lugar à Ádrian. Os dois se entreolharam e pensaram que mais problemas vinham por aí. Perder o melhor jogador que tanto lutou pra chegar nessa partida logo no começo. O futebol não é justo.

A desilusão do momento era tanta, que se esqueceram de um detalhe… Cristiano Ronaldo. E o gajo apareceu aos 27, em cobrança de falta venenosa que Courtois defendeu.

- Me dá um medo quando essa bola quica, disse Paco. Não confio nesse grandão.

- Relaxa, disse Bernardo, esse aí mira a barreira.

Aos poucos o Real ia mostrando as credenciais que faziam aquele o momento certo de sua décima conquista. Se do lado colchonero a vitória representaria o fim do martírio de tantos anos, depois da sofrida derrota de 74, do lado merengue, os fracassos recentes das duas gerações de galáticos colocava um peso no ombro dos envolvidos na final.

Aos 31, Tiago errou e deixou a bola no pé do Bale, o galês avançou, entrou na área quase sem marcação e chutou pra fora. A melhor chance da partida até então foi desperdiçada de forma mais do que esquisita pelo jogador mais caro do planeta.

As unhas já tinham ido pro saco, comentou Bernardo, tendo apenas um olhar assustado como resposta do pai.

Vida que passa em frente aos olhos

Falta para o Atlético aos 36. A bola aérea era uma das principais armas do time de Simeone. Godín, após saída equivocada de Casillas, cabeceou para o gol vazio.

O goleiro ainda tentou voltar mas não adiantou. O interessante, além da comemoração dos jogadores e do mar vermelho que dividia o estádio entre os rivais em êxtase, era o olhar. Pai e filho hipnotizados em um instante. O abraço, além de caloroso, transmitia amor, fúria, lembranças de uma equipe que em outrora fracassava tanto mas que naquela hora, era capaz de proporcionar o momento de maior afeto entre eles.

Segundo tempo difícil

O segundo tempo foi de pressão total. Da forma que o Atleti parecia se acostumar durante aquela temporada e a passagem de seu treinador.

Cristiano Ronaldo, sumido, aparecia como o candidato perfeito à vilão. Nova falta, cobrança novamente venenosa, dessa vez, com desvio na barreira. Courtois pegou.

Numa das poucas escapadas do Atlético no segundo tempo, Adrián, que entrou no lugar de Diego Costa chutou perto do gol.

Por falar em vilão, esse papel ia quase que colando em Bale. Novamente de frente pro gol, mas sendo justo, dessa vez mais longe, ele chutou pra fora após um belo passe do Cristiano aos 27, e aos 32 em mais uma jogada rápida ele ficou cara a cara pela terceira vez, e de bico chutou novamente fora da meta.

Era cruel demais sofrer tanto.

Não deveria ser de outra forma… pensou Paco, que completou:

- E aí, ta sendo bom ficar do lado sofredor? Aos risos

- É… Eu já não sei mais nada

O mundo parou

A pressão madridista reservava um momento mais especial. Após os 5 minutos de acréscimo, escanteio aos 48. Sérgio Ramos subiu mais alto que a defesa, junto do estádio inteiro, que como em uma orquestra, sincronicamente perdeu o fôlego.

Paco se sentou, e Bernardo não acreditou.

Courtois fez a defesa que talvez mudasse sua vida, a defesa que o alçou ao posto de mais novo ídolo colchonero.

A cabeçada era indefensável. Os narradores comparavam com a defesa de Banks na cabeçada de Pelé, na copa de 70.

Foi inacreditável.

Simeone foi ao chão, como se visse que depois daquilo, o clichê máximo do “não entra hoje” tivesse sido promulgado.

Aos jogadores do Atlético, visivelmente exaustos, restou um baita chutão.

Que fez a bola chegar em Casillas, antes do árbitro olhar o relógio e após um lançamento longo do goleiro, e de uma dividida entre Adrián, Gabi e Di Maria, encerrar o jogo.

A festa

Os olhos marejados não escondiam o sentimento de alegria da torcida. No campo, Simeone era jogado pra cima pelos jogadores, que o banharam com uma mistura de gatorade e água gelada.

Lisboa seria pequena naquele dia. Um só momento, fez com que 40 anos de frustrações e decepções fossem esquecidos e comemorados, como se não houvesse mais mágoa e como se o futuro também não importasse. Os desentendimentos assim como as derrotas tinham ficado na defesa de Courtois, o gol de Godín era o abraço, o chutão pra frente no fim do jogo, eram as reconciliações. O Atlético finalmente deixava o fracasso para trás. Eram novamente pai e filho.

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Lucas Felix Novaes
Linha20
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Psicólogo Clínico, pesquisador e amante da rede do antigo maracanã.