E se…? Fluminense x LDU

Lucas Felix Novaes
Linha20
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14 min readJun 1, 2020

Bem amigos do Linha20, mais um texto sem comprometimento algum com a verdade, mas que trata de um outro universo. O universo em que a América foi por uma noite tricolor.

A final da Libertadores de 2008 foi um momento único para o torcedor tricolor. Colocou frente a frente dois times que já se conheciam da primeira fase, com vantagem para o Flu, que ficou na primeira posição do grupo 8.

A LDU ficou na segunda posição do grupo, apostando em seu estádio, e na força da famosa altitude. Os adversários, alguns mais tradicionais, foram caindo um a um. Estudiantes-ARG, nas oitavas (vitória por 2 a 0, em casa, e derrota por 2 a 1, fora), San Lorenzo-ARG, nas quartas (dois empates em 1 a 1 e vitória nos pênaltis por 5 a 3) e América-MEX (empate em 1 a 1, fora, e empate sem gols, em casa).

Já o Fluminense dono da melhor campanha da fase de grupos (quatro vitórias, um empate, uma derrota) teve uma trajetória apoteótica no mata-mata. Depois de eliminar o Atlético Nacional-COL com duas vitórias (2 a 1 e 1 a 0), o Flu eliminou outro tricolor, o São Paulo, que futuramente seria tricampeão brasileiro, nas quartas, após fazer 3 a 1 na partida de volta (havia perdido a ida, por 1 a 0), e o gosto do título pintou na semi, com a vitória por 3 a 1 sobre o Boca Juniors, no Maracanã, mas dessa vez de virada.

A história do título estava pronta para ser contada. A sinergia entre time e arquibancada era renovada a cada fase, com a festa inesquecível que o Maracanã presenciava às quartas feiras. No jogo de ida, derrota por 4 a 2 em Quito.

A tarefa não seria nada fácil, o Flu deveria vencer por no mínimo dois gols de diferença para forçar prorrogação. Seria uma noite histórica, de qualquer maneira.

32 anos antes

Para começar a contar essa história, temos que voltar 32 anos no tempo, mais exatamente para o ano de 1976.

O Fluminense, tinha o melhor time de sua história. Talvez não em questão de conquistas, pois teria títulos de maior relevância à serem conquistados anos depois, mas em campo jamais reuniu tanto talento.

O Maracanã era aquele antigo, o perfeito estádio onde todos se acomodavam e conseguiam depositar sonhos, angústias decepções e alegria.

Grande favorito ao título brasileiro ao lado do Internacional, a máquina tricolor, como ficou conhecido o time, tinha um desafio que não parecia tão complicado naquele dia 05/12/1976.

O time liderado por Rivellino e Carlos Alberto Torres enfrentaria o Corinthians na semifinal. O Timão, debilitado e evidentemente arrependido, ao ver o maior jogador de sua história, injustamente culpado pela decepção da seca de títulos, e em especial, a derrota para o Palmeiras, no paulistão de 74, desfilar sua habilidade e conquistar o coração dos tricolores e conduzir o time à provável final do campeonato. Tudo caminhava para uma vitória do Flu.

Ok, ainda era o Corinthians, e um time conhecido por muita raça.

Eis que a confiança se tornou soberba, e Francisco Horta, então presidente e principal responsável pela criação de uma equipe repleta de craques, provocou os corintianos ao disponibilizar 10 mil ingressos para os paulistas, e dizer que a torcida não viria ao Rio, visto que seria uma derrota certa. Depois, disse que nem se enviasse a metade dos ingressos os torcedores rivais viriam. E assim fez. Colocou 70 mil ingressos à disposição dos corinthianos, e estes fizeram com que a história de uma equipe incrível, se tornasse a do feito do time mais fraco, que ao lado de 70 mil insanos que cruzaram a fronteira Rio-SP, teve uma das maiores vitórias da história do futebol.

Afonso acompanhou de perto a partida, conseguira o ingresso com seu pai, ainda vivo, e sócio maluco pelo Fluzão.

Ver aquela equipe era um ótimo passa tempo em meio às loucuras do vestibular e as expectativas naturais sobre o futuro.

Acompanhar os pênaltis da arquibancada do velho Maraca foi um divisor de águas para ele. Parecia que daria tudo certo quando Pintinho marcou aos 18´.

O primeiro banho de água fria foi aos 29´, num misto de golaço/raça do corinthiano Ruço.

O jogo caminhou até os pênaltis e a cada batida ele sentia que seu mundo desabava, pouco a pouco. A derrota por 4 a 1 talvez fosse o que faltava para que optasse por sair do Rio, tamanha a frustração. A batida de Zé Maria foi seu último momento no estádio até então.

Era realmente muito injusto que aquela equipe capaz de dar tanto show, e de encantar tanta gente, não pudesse contar com um título nacional. O carioca, embora muito forte, era pouco para eles, a vitória contra o Bayern de Munique, maior equipe européia da época, também era pouco, muito pequena perto da desolação que o Maracanã vivia naquele dia.

A saída do estádio foi melancólica e repleta de festa, afinal, metade dos presentes estava anestesiada pela conquista da vaga na final, e esperança do fim do jejum de títulos, que já durava 22 anos.

A Semi

Embora não tenha mais ido ao Maracanã, Afonso não deixou de acompanhar o Fluminense. Muito de sua ausência se explica pelos estudos na Bahia, pelas férias em períodos em que não há jogos, pelo trabalho que o fez durante um tempo até mudar de país e pelo que ele imaginava, ser algo vindo de seu inconsciente, que toda vez que passava pelo estádio, o fazia lembrar da decepção e sentir um pouco do amargor daquela derrota.

Mesmo assim, acompanhara a equipe quando sua localidade se casava à alguma partida do Flu como visitante. Foi assim na Bahia, em Belo Horizonte e em São Paulo.

A campanha na Libertadores daquele ano estava sendo linda. Eliminaram times de muita tradição, e até mais tradição no torneio, como o Boca e o São Paulo.

Agora, morando na capital paulista, pôde acompanhar no Morumbi a primeira partida das quartas.

Quando classificaram para as Semis, recebeu uma ligação de Théo, seu irmão que ainda residia no Rio.

— Por que não ver o jogo juntos? Tenho dois ingressos.

Convite recusado quase que imediatamente, com a desculpa de compromissos do trabalho.

— Não vai dar, cara. Tenho reuniões importantes na quinta. Quem sabe se chegarmos à final…

E assim foi feito. Como um capricho do destino, o Fluminense conseguiu eliminar o temido Boca Juniors, apenas o segundo brasileiro a eliminar os argentinos na história naquele momento.

Vendo o jogo, num barzinho perto de casa, ao lado dos mais improváveis secadores, corinthianos, são paulinos e palmeirenses, Afonso só pensou em uma coisa, ir à final.

Quase que sincronicamente, recebeu a ligação de seu irmão, logo no apito do árbitro, o convidando novamente para a final. Não hesitou em dizer: — Eu vou! E naquela madrugada passou procurando voos mais baratos no computador.

Era impossível dormir…

Às 04:10 ligou novamente para Théo, anunciando ter conseguido comprar a passagem, e que juntos, poderiam refazer a história tão duramente mal contada de 32 anos antes.

Primeiro Jogo

Embora decepcionante, o resultado do primeiro jogo não o deixava pessimista. Ao lado novamente dos amigos secadores, viu a LDU abrir 4 a 1 no primeiro tempo, e viu no gol de Thiago Neves, a brecha esperada para o título.

O 4 a 2 embora assustasse, ainda dava esperança. O time estava jogando muito bem, e ele via no trio Thiago, Conca, Washington a esperança da virada.

A finalíssima

Chegando no Rio no dia do jogo, Afonso de pronto encontrou o irmão. Eram próximos, mesmo que a distância sempre fora algo comum em sua relação.

Falaram sobre a falta que o pai fazia naquele momento. O velho com certeza estaria maluco para estar no Maracanã naquela final. Assim o fez em 76 quando os levou na dolorosa derrota, mas também fez sozinho em outras ocasiões, ou acompanhado de Théo, que permanecera no Rio por toda a vida.

Relembrou com carinho dos momentos, e não se conteve ao questionar a diferença que via no estádio que amava tanto.

— Esse não é o mesmo Maraca, né? Sem a geral não é a mesma coisa. (mal sabia ele do futuro triste que o estádio teria anos depois)

— Ah, não é a mesma coisa mas ainda cabe quase 90 mil, é gigante, respondeu Théo.

Entre papos furados e novidades da semana, foram até os arredores do estádio.

Almoçaram e tomaram uma cerveja gelada, lembraram dos jogos antigos, da comemoração e do sentimento único que viviam ali

Théo não pensou duas vezes, e logo tratou de conversar com o irmão sobre os anos longe do estádio.

— Sinto saudades de ver os jogos com você. Desde aquele dia, nunca mais estivemos juntos no Maraca. Ok, tiveram aqueles jogos no Morumbi quando fui pra São Paulo, mas não é a mesma coisa.

— Só Deus sabe a alegria que sinto em estar aqui de novo. Acho que não conseguiria vir sem você (disse aos risos um tanto quanto emocionados). Me traz muitas lembranças do pai e de momentos lindos da nossa história.

Ali, os laços se tornavam cada vez mais próximos, e os dois se sentiam como os adolescentes de 1976. Por um momento, podiam tudo. E após algumas cervejas, amendoins e conversas, entraram no estádio.

Afonso queria recordar daquele mar de gente, sacou o celular e tirou a melhor foto possível, quase se esquecia que tinha pouca bateria.

Isso não importava.

A entrada no campo foi digna de cinema. Uma das maiores festas já vistas no estádio, um dos momentos mais lindos de sua vida acontecia ali. Os 32 anos longe do amor antigo, sumiam no ar como o pó de arroz, característico da festa da torcida tricolor. Afonso era êxtase, fé, esperança. Era Fluminense, como seu pai, como seu irmão, como desejava que fossem seus filhos quando fossem mais velhos. O reencontro não era apenas com o estádio, era um reencontro com tudo que aquela perda significou para ele durante a vida. Era um reencontro com o rapaz que tão cedo foi morar fora, que não estava próximo na partida do pai, que por estar longe não viu o casamento do irmão. Mas sobretudo, o reencontro com algo simbólico.

Mesmo longe, não deixou de amar nenhum deles, não deixou de assistir à série C, como também não deixou de passar um tempo com o irmão semanas depois do seu casamento, assim como fez ao ficar na casa da mãe após a perda do pai.

Após todo o foguetório e instantes antes do árbitro apitar o início do jogo, abraçou o irmão novamente. Juntos dariam fim àquela sensação incômoda que perdurava por todos esses anos.

O jogo

A partida logo traria um balde de água fria aos presentes. Aos 5´ Bolaños completou jogada de Guerrón e chutou forte no canto de Fernando Henrique, 1 a 0.

O Fluminense agora, precisaria de pelo menos 3 gols para levar o jogo para os pênaltis.

A decepção era clara, não só nos olhos dos irmãos, como no estádio inteiro.

A festa vista na entrada das equipes se tornava um silêncio melancólico. O senhor ao lado, (que nem parecia tão velho assim para ter acompanhado essa partida) gritava meio que sozinho/chamando a atenção, que era parecido com o silêncio da copa de 50.

Afonso não acreditava que aquilo podia acontecer. Recorreu ao destino, às orações, e preces. Deixou de lado sua descrença em mística e se tornou por alguns instantes o maior invocador compulsivo de apostas consigo mesmo. Pensando alto, disse que se o Fluminense empatasse naquela jogada, ficaria com a mão direita no bolso para o resto do jogo. Não rolou. Depois disse que se o empate saísse agora, deixaria de se importar tanto com o trabalho. Washington chutou pra fora, a chance mais clara até então. Sem conseguir concretizar o raciocínio de mais uma promessa, Afonso pulou e abraçou Théo, quando Thiago Neves, aos 11´ empatou. Lindo chute de fora da área.

Por um momento se esqueceram que havia um longo caminho pela frente, mas, a ficha caiu instantaneamente à comemoração. A felicidade do estádio não era algo enlouquecedor, se traduzida em palavras, seria um “ufa” como bem definiu Théo.

— Se esse gol não sai antes dos 30´, ficaria difícil pra gente. Lembra daquele jogo contra o Bangu em 72? Ensaiando um sorriso

Afonso obviamente se lembrava, era uma partida do carioca, em que os dois acompanharam junto do pai uma virada fulminante do fluzão.

— E dava pra esquecer? Respondeu com esperança.

Conforme a partida continuou, logo veio a virada. Novamente com o camisa 10, grande nome daquela final. Em pensamento, Afonso imaginava que só podia ser reparação histórica. Thiago vingava Rivellino.

Enquanto conversava com o irmão sobre o mal posicionamento dos laterais adversários, e sobre como não gostava de ver Dodô no banco, a esperança voltou.

Em uma jogada rápida de arremesso, Cícero descolou cruzamento rasteiro na área para o predestinado 10 marcar.

Thiago fazia seu 3º gol na final, o segundo do dia. E além de dar esperanças, trazia o Maracanã abaixo. Eram exatos 27 minutos do primeiro tempo e faltava apenas um gol. Naquela hora, o terceiro parecia questão de tempo.

O tempo, que havia castigado tanto esse coração, o sentimento de saudade do balançar daquela rede véu de noiva, e todo o ressentimento que havia em relação à um lugar que lhe fazia tão bem, pareciam ir embora.

A definição de tudo isso, de todos os males, poderia ser agora.

O artilheiro, coração valente, de história de superação tão grande quanto à do clube, recebeu na área, e na hora de engatilhar o chute, caiu.

— Pênalti! Gritaram todos.

Menos para o árbitro.

O fim de primeiro tempo foi morno, sem grandes emoções.

Ainda sem saber o que os próximos 45 minutos reservavam, comprou uma pipoca, uma coca, e até uma cerveja sem álcool.

Foram os 15 minutos mais duradouros que se lembrava.

Segundo tempo

A notícia que Afonso tanto esperava aconteceu, Dodô entrou no lugar do volante Ygor. Substituição ousada de Renato, com o aval do torcedor.

— Vou falar pra você, Théo, acho que ta aí o nome do título. Você vai ver, Dodô neles. Disse aos risos.

— Agora é a hora de mudar mesmo, não dá pra manter dois volantes, os caras vão ficar atrás.

E quase que a profecia mais manjada de todas, dita por Afonso, aconteceu aos 6´, Dodô recebeu na ponta da área e chutou rasteiro na trave. Era o primeiro susto que o Flu dava no segundo tempo.

Aos 11´, cobrando falta, Thiago Neves fez o que Afonso esperava dele. Mandou a bola no canto, após a barreira abrir. O terceiro gol do tricolor não só explodiu o estádio, como a cabeça do administrador. Em poucos segundos, novamente os 32 anos de distância do Maraca, do calor da torcida e da festa, estavam ali, em sua frente. Estava no rosto do velho chato que falava sozinho, e nesse momento abraçava uma moça do seu lado, estava no irmão que o abraçava pela barriga e também na pessoa que ele não conseguia identificar, mas estava tampando sua vista.

Sentia que qualquer coisa podia acontecer e que cada momento ali vivido, valia a pena. Nesse instante, a dor não era mais sentida, muito menos a culpa. Era tempo de celebrar e aguardar.

O segundo tempo e a prorrogação não trouxeram muitas emoções, fazendo com que os irmãos tivessem de uma forma que parecia orquestrada, a reedição de uma disputa de pênaltis. Parecia demais para o que podiam aguentar.

Os dois mal conversaram naquele espaço de tempo entre prorrogação, início das disputas. Parece que seus olhares que se cruzavam a cada passe e bola dividida, diziam tudo o que precisavam saber um sobre o outro. No início das cobranças, embora estivessem na mesma arquibancada, diferentemente de 76, Théo não ficou de costas. Deram as mãos. Simbologia maior não havia, eram eles contra aquela maldição que parecia haver na família e que os fazia tanto sofrer.

A primeira cobrança não deu para Fernando Henrique, 1 x 0 pra eles. Cícero, empatou e fez os dois se aproximarem em um gesto de afeto, mas sem “desdar” as mãos. Na cobrança de Araujo, o goleiro tricolor pegou com a perna, na sua habitual forma esquisita de defender.

Os dois olharam para o céu, agradecendo calados e ainda de mãos dadas a defesa. Thiago Neves fez 2 a 1 para o Flu, e deixava novamente nas mãos do goleiro, a oportunidade de aumentar a vantagem, mas Salas empatou.

Washington, fez sua jornada apoteótica ter ares dramáticos. Perdeu sua cobrança e viu a oportunidade do adversário passar a frente no marcador, mas Guerrón, um dos principais nomes da campanha do time equatoriano mandou na trave. O Maracanã novamente pulsou. Théo e Afonso gritavam calma para quem estava ao lado. Tinham aprendido com a vida que não se devia comemorar demais antes do fim. Dodô recolocou o tricolor à frente e Bieler, novamente empatou para o adversário. Estava no pé de Conca. O jovem argentino que vinha fazendo ótimas partidas no campeonato poderia mudar a história do clube. Cada passo trazia uma lembrança diferente, Samarone e Flávio no primeiro brasileiro em 70, Assis e Washington, as confusões dos anos 90, a vergonha da série C, a volta, os rivais, os títulos, Renato Gaúcho e o gol de barriga…

O argentino não só marcou o gol, como deslocou com habilidade o veterano Ceballos, que tanta cera fazia em cada cobrança.

A história, para eles não era reescrita, mas trazia um sentimento de justiça. O time não era incrível como o dos anos 70, mas jogava um bom futebol, coisa rara no momento do país.

A festa

A saída do estádio, assim como em 76 foi em festa. Mas dessa vez, eram os mandantes que faziam barulho e estavam incrédulos. O time levava a Libertadores inédita para casa após campanha incrível. Os irmãos abraçados, desciam a rampa rumo à uma multidão que cantava o hino do clube, riam como crianças, e festejavam como se fosse aquele o primeiro título que viam.

Provavelmente, os mais de 80 mil presentes jamais viveriam momento igual, ou no mínimo, esperariam longos anos. Talvez menos do que 32, mas com certeza sabiam fazer parte da história.

Passada a adrenalina, Afonso refletiu. Viu que talvez, de nada valeram as crendices e apostas consigo mesmo, mas também percebeu o quanto fazia sentido a última promessa que acabou nem concretizando. Era o que realmente precisava. Não se amargurou e tratou de viver o presente, e ao caminhar com o irmão, ressignificar o passado.

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Lucas Felix Novaes
Linha20
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Psicólogo Clínico, pesquisador e amante da rede do antigo maracanã.