O novo sempre vem

Mariana Lemos
Linhagem
Published in
6 min readJun 19, 2019

Novas técnicas de artesanato coexistem com as velhas tradições

Uli Batista é uma mulher cearense, publicitária, fotógrafa e, sobretudo, artista e artesã. Foi criada em um ambiente onde as artesanias do cotidiano eram valorizadas e desde a infância; e quando adulta se tornou fonte de renda. Ela produz peças com a técnica do String Art, prática inglesa que consiste no enlaçado de fios em pregos fixados em uma superfície de madeira. Os arranjos formar diversos desenhos e tinham como premissa a criação de formas geométricas para o ensino de matemática.

Uli conheceu a técnica pela internet, a partir do momento que foi sendo ressignificada pelos artistas do estado. Os produtos da artesã são vendidos na loja online Linha de Prosa, criada em 2017 pelo Instagram. O nome nasceu da premissa de contar histórias. Cada peça é concebida depois de longas conversas com o cliente, para que cada forma, cor e linha tenha relação com a pessoa que será presenteada ou o ambiente que será decorado. Ela ressalta que nenhum quadro nasce aleatoriamente: todos os elementos têm um grande porquê por trás.

O artesanato surgiu na vida de Uli por acaso. Em um trabalho como publicitária, desejava produzir a logomarca de uma empresa de forma manual. Com a imersão na busca por técnicas artesanais, se viu encantada pelo String Art, que com o tempo virou um ofício e uma arteterapia. Além da renda que a prática angaria, mente e corpo foram salvos pelo artesanato.

“Fui pesquisar maneiras de fazer mandalas que não fossem por desenho. Descobri o String Art, e fiz meu primeiro quadro, era uma tentativa de mandala… deu muito ruim. Depois fui testando outras coisas; e nesse ir testando muitas pessoas começaram a encomendar.”

Por se tratar de uma técnica internacional e pouco comum, o processo de produção do Linha de Prosa enfrentou alguns obstáculos de início. A escolha dos tipos de madeira, linha e pregos para os arranjos foi uma grande sucessão de tentativas e erros. Entre madeira rachadas, pregos enferrujados e linhas rompidas, Uli foi adaptando seus produtos e sua rotina aos poucos. Atualmente, a produção consiste em pregar moldes na madeira, fixar pregos em seu entorno e enlinhar linhas de crochê preenchendo o desenho com cor. Por fim, camadas de antioxidante e verniz prolongam a qualidade das peças. Além da busca por uma maior duração, a perspectiva da sustentabilidade está presente, madeiras reutilizáveis e tintas mais rentáveis têm preferência no atelIê do Linha de Prosa.

“O string é minha paixão, foi onde eu me encontrei, porque acho que transita entre o ódio e o amor, por causa do martelar, que é uma parada física, que cansa. E ao mesmo tempo se você é bruta na hora de enlinhar, não vai rolar. Tem que estar bem, calma”

Apesar de ter crescido em um ambiente de incentivo às práticas artísticas, Uli conta que seu olhar sob o artesanato cearense se reacendeu depois de sua passagem pelo México. Ela voltou para o país apaixonada pelo Ceará e bastante politizada e consciente da importância que a renda e outras práticas, típicas da região, ainda têm.

A permanência de muitas senhoras convive com as ressignificações das jovens artesãs. Para Uli, é incrível a releitura e a adaptação que os novos artistas estão fazendo de práticas tão antigas. E que esses novos afazeres tem relação direta com os tradicionais. No fim das coisas, a técnica é a mesma, mas é feita outra coisa, que vai tirar outra coisa etc.

“É engraçado que muitas jovens batem no peito e dizem que são artesãs e artistas; pra mim foi um processo, não doloroso, talvez tenha durado um dia, mas foi um processo. Cara, eu sou artesã, e é isso, e que lindo, que massa.”

Entre as mudanças entorno das artesanias atuais, um das principais transformações são os temas que são abordados. O Linha de Prosa trata muito do feminino e questões relacionadas a ele. A representatividade é uma questão que, por essência, entra no trabalho de Uli, uma mulher feminista, LGBTQI+ e periférica. Tendo em vista que cada quadro produzido tem um pedaço seu, ela conta que já recusou a participação em algumas feiras e não aceitou algumas encomendas pelo contexto em que estão inseridas. “Ter esse olhar tranquilo sobre o outro e o que está sendo falado e presenteado foi um processo para mim”, relata Uli.

Além dessa sensibilidade com as mensagens reproduzidas e com os ambientes envolvidos, algo comum na produção artesanal atual é a relação com o digital e as redes sociais. Uli como artesã ‘nasceu’ da internet e do Pinterest. Por meio de vídeos pôde começar no String Art e por meio das redes sociais recebe encomendas e conhece as histórias que se tornarão quadros. E quando finalizados, as peças divulgadas no Instagram servem como divulgação para mais encomendas. Para Uli, artesanato é paixo e enlinhar é um processo de entrega.

“Não é feito para ser descartável, e a gente vai tocando na digital um dos outros. Você vai tocar na minha mão, eu vou tocar na mão de quem cortou a madeira, me vendeu a linha etc. Eu acho incrível que a técnica é a mesma no fim das contas, só que é feita outra coisa. E vai virar outras coisa depois e assim vai indo”

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Mariana Lemos
Linhagem

21 anos. Cearense. Estudante de Jornalismo na UFC. Apaixonada por tudo que a faz sorrir.