Revenda e descontinuidade da tradição

A perspectiva de quem revende e exporta o artesanato local leva preocupação

Mariana Lemos
Linhagem
4 min readJun 19, 2019

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Assizete é cearense, artesã e distribuidora de renda filé, artesanato típico do Ceará, há mais de 20 anos. Na capital, ela revende peças produzidas por rendeiras do interior do estado. Com lojas no Centro de Turismo e outra localidade da capital, ela conta que entra em contato com uma média de 150 pessoas para a produção das peças. A dinâmica de produção começa pela escolha do modelo; em seguida a distribuidora compra todos os fios nas cores desejadas e os entrega nas casas de cada uma das rendeiras. Com um prazo de 15 a 20 dias, ela volta às casas para receber os produtos e pagá-las pela mão de obra.

Em geral, as pessoas que produzem renda filé se concentram na região jaguaribana, já as redes são produzidas na jaguaruana. O crochê, que é distribuído em menor quantidade, é trazido de Jijoca e Jericoacoara ou produzido por ela mesma. Assizete conta que aprendeu a crochetar aos 6 anos, desfazendo e refazendo as peças que sua mãe produzia. Além disso, ela aprendeu algumas técnicas de bordado ao longo da vida. Dessa forma, o artesanato sempre esteve presente em sua vida, mesmo que não fosse a principal artesã.

Para mim o artesanato representa tudo. Quando a gente faz o que gosta, é tudo. Tenho meu carro, minha casa, minhas filhas formadas, tudo a custo disso aqui. Eu faço porque eu gosto, eu amo trabalhar com esse artesanato. Não me vejo fazendo outra coisa.

Além da importância pessoal, Assizete ressalta que o artesanato é uma riqueza para o Ceará, mas que, infelizmente, está acabando. Para ela, a principal causa disso é a falsa de incentivo por parte do governo. Sem associações próprias e políticas que apoiem o artesanato local, muitas famílias abandonam a tradição e para de produzir. Com isso, o consumo também tem diminuído bastante. “Isso aqui eu mandava até para fora do país. Cheguei a pegar pedido de 15000 peças. Hoje para eu pegar pedido de 1000 eu penso mil vezes, porque eu não tenho mais a produção que tinha no passado”, conta a distribuidora.

Para além da falta de incentivo público, a artesã acredita que as práticas da renda e outras artesanias têm acabado devido a falta de vontade dos jovens de aprenderem. Durante décadas, esses artesanatos eram passados de pais para filhos, avós para netos, de geração em geração. E a descontinuidade do processo compromete a permanência de técnicas tão importantes. Atualmente, a maior parte dos que produzem para Assizete são idosos, em sua maioria mulheres. E com o processo natural da vida, de adoecimento e falecimento, a equipe fica cada vez menor.

Nunca prejudicou ninguém, nunca ninguém deixou de estudar por causa da renda. E nisso quando a criança completava 16 anos, o bolsa família cortava e a mãe não segurava mais o filho na escola, e muitas vezes iam para a rua. Muito porque não têm ocupação, porque não aprenderam o que os avós e os pais faziam.

Em sua família, a artesã conseguiu passar o costume do crochê apenas para uma de suas duas filhas, que trabalha com ela na loja. A outra, pelo contrário, seguiu o caminho da enfermagem e se distanciou do artesanato.

Assizete produz peças de crochê em menor quantidade para vender no varejo. Cropeds, bikinis, bolsas e saídas de praia são a maior parte de seu estoque. Ela revende a renda filé e vende seus produtos no Centro de Turismo, na na Ala Norte, loja 11.

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Mariana Lemos
Linhagem

21 anos. Cearense. Estudante de Jornalismo na UFC. Apaixonada por tudo que a faz sorrir.