Traços de Rita

Clarice Nascimento
Linhagem
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4 min readJun 19, 2019

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Após as histórias de Albertina, sigo o caminho para Canaã, deixando para trás a praia. Vejo a renda em pelo menos dois alpendres até chegar no distrito de Trairi. Encontro a outra rendeira no meio do caminho, seguimos até sua humilde casa e conversamos como vizinhas no final da tarde.

Rita de Cássia, 64, nasceu em Canaã e vive no distrito desde então. Aos 5 anos, aprendeu a fazer renda de bilro com a avó, mesmo sendo muito pequena, gostava daquela arte e tinha muita vontade de aprender. “Na verdade, ela nem me ensinou a fazer, foi só eu vendo a minha vó fazer. Ela fazia e quando guardava a almofada e eu via que ela tava entretida, eu ia lá, desmanchava um pouquinho e tentava fazer”, disse Rita.

O distrito trairiense também conta com uma associação de rendeiras, a Associação das Artesãs e Agricultores de Canaã — ARTECAN. Fundada em 2005, é uma instituição que busca estimular a união e colaboração das rendeiras locais. A associação tem parceria com a CEART e com o SEBRAE. Rita participa da ARTECAN desde sua fundação e desenvolve o trabalho manual de produção das encomendas que vêm dessas e outras instituições.

A renda colorida exige maior cuidado e atenção da rendeira para saber o ponto e a maneira certa e trocar as linhas / Foto: Ana Clarice

Segundo a rendeira, os trabalhos são feitos em coletividade, mesmo que cada uma faça a renda em casa, a encomenda e a divisão das tarefas é feita em uma reunião na associação. “Por exemplo, a CEART manda uma encomenda, ou qualquer instituição pede uma encomenda, a gente se junta na associação, divide os trabalhos, cada uma leva pra casa pra fazer ai quando tá pronto uma pessoa se junta e leva pra vender”, diz Rita.

Porém isso não impede que cada rendeira faça suas vendas individuais. Rita de Cássia conta que isso acontece porque não tem tanta encomenda como desejam, por isso, as mulheres fazem a renda no dia a dia, em casa e vendem a quem desejar. Ela diz que “às vezes quando alguma de nós tem tempo, a gente tenta vender lá fora, os trabalhos. A gente vende pra poder comprar as linhas e fazer novamente”.

Conforme ela conta no desenrolar de nossa conversa, ela não parou de fazer renda desde que aprendeu. Rita estudou, trabalhou 30 anos pelo município de Trairi com carteira assinada, casou, teve duas filhas mas nunca deixou de fazer renda. “Eu amo fazer renda”, afirma. Além disso, a renda de bilro também foi fundamental para ajudá-la a complementar renda financeira da família. “Eu já ajudei muito as minhas filhas na faculdade delas com o meu trabalho de renda”, disse Rita.

A rendeira conta que vai além do tradicional. Gosta de fazer novas criações e combinações diferentes, não com o intuito de vender mas para mostrar do que é capaz de fazer com a renda. Segundo ela, algumas mulheres têm medo de fazer essas coisas pequenas, essas inovações e se dedicam ao que é essencial, o que vende, “mas eu quero mostrar meu trabalho, quero mostrar o que eu sei fazer, o que eu fico criando”.

“Eu faço de tudo, tem gente que gosta de fazer só o que vende ou que mais vende. Fazer um vestido, uma blusa e uma camiseta é o que mais vende. Eu não, eu gosto de inovar, eu faço a capa de almofada, tanto na linha grossa quanto na linha fina, eu faço brinco, gargantilha e tudo que eu tenho vontade e acho bonito eu tento fazer.”

Rita posa ao lado de suas rendas coloridas / Foto: Ana Clarice

Para Rita de Cássia, a renda faz parte de sua história de vida. Seja como trabalho ou como diversão, fazer renda é sinônimo de estar bem. “Embora que eu passe 2, 3, 4 meses sem vender alguma coisa mas se eu tiver fazendo eu me sinto bem […] além de ser uma forma da gente ganhar alguma coisa pra sobreviver, que não dá muito mas ajuda né, a gente se sente bem e […] eu, particularmente, me sinto bem em poder mostrar meu trabalho, poder divulgar o meu trabalho e o que eu sei fazer”, diz a rendeira aposentada e pensionista. Porém, o trabalho da renda, segundo ela, não é tão valorizado. Rita acredita que as produções artesanais não são vendidas com o preço que merecem ter.

“[O trabalho] é artesanal mesmo porque a gente faz toda na mão. Nosso trabalho é todo manual, não é daqueles trabalhos que uma pessoa chega e diz assim ‘eu quero 200 peças pro final da semana’ não tem como porque é manual. Pra gente fazer 200 peças ou mais, a gente tem se juntar várias pessoas, fazer a divisão de muitas pessoas pra fazer naquele determinado tempo da entrega”.

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Clarice Nascimento
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21. Cearense, completamente escorpiana, sincera, determinada e pé no chão. Amante de livros, chocolate e praia. Escreve sobre esportes e cultura