Smart Legal Contracts: a sobrevivência dos contratos em tempos de pandemia

Equipe Linte
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3 min readApr 16, 2020

Por Heitor Campos, Advogado na SPIC Brasil

Os impactos da COVID-19 nos negócios e na vida das pessoas seguem sendo contabilizados e não apresentam perspectiva de cessar no curto prazo. A Pandemia vem desafiando as mais tradicionais formas de fazer negócios. Se não é possível reunião presencial, façamos uma videoconferência. Se não podemos assinar fisicamente, então a solução pode ser utilizar uma assinatura eletrônica. Pode-se dizer que essas tecnologias serão largamente adotadas mesmo após a normalização da situação.

E quanto à gestão dos contratos? Qual deve ser o futuro dos contratos na era pós pandemia?

Se por um lado nosso mundo ainda é governado por contratos tradicionais, por outro, cada vez mais veremos uma escalada do que chamamos de Smart Legal Contracts, que se baseiam na ideia de contratos que, a partir de regras pré-determinadas, da coleta de informações e dados do mundo exterior, automaticamente seria capaz de disparar gatilhos de forma a atingir um objetivo inicialmente determinado pelas partes.

Um exemplo para ajudar a ilustrar essa situação. Parte A é um supermercado que adquire batatas da Parte B, um distribuidor de alimentos. O supermercado exige que o distribuidor garanta o fornecimento entre 2.000 e 10.000 sacos de batatas todos os meses. Com o início da pandemia, consumidores foram vorazes para estocar batatas em casa, deixando as prateleiras do supermercado vazias. O supermercado então exigiu que o distribuidor cumprisse com sua garantia contratual de alocar todos os 10.000 sacos no período seguinte. Porém, não obteve sucesso: o distribuidor mantinha o mesmo contrato com as mesmas garantias para dois outros mercados, que também exigiram entregas no volume máximo garantido. Além disso, estamos em pandemia: fazendeiros e motoristas de caminhão estão doentes, o governo impôs medidas de restrição de mobilidade, e embarcações com importações não conseguem ser desembarcadas a tempo nas docas. A relação entre o supermercado e o distribuidor se torna hostil, com ambas as partes acionando seus advogados para utilização de mecanismos de disputas. Ninguém está feliz. E as prateleiras, seguem vazias.

Foto: Марьян Блан | @marjanblan no Unsplash. Editada por Leonardo Ohnuma.

Em outro cenário, temos uma boa rede de contratos inteligentes em vigor, devidamente conectados ao sistema de dados automatizados do supermercado, dos fazendeiros e das docas, como um grande repositório de informações nos quais o contrato entre as partes A e B estão conectados. Agora, os contratos entre o distribuidor, docas e fazendeiros estaria preparado para fornecer avisos automáticos em tempo real sobre sua capacidade de performar o contrato. Um gatilho automático poderia ser disparado para os supermercados sempre que a conclusão dos demais contratos estivesse sob ameaça, o que daria ao supermercado tempo suficiente para buscar outras alternativas no mercado, enquanto poderia limitar a quantidade de sacas de batata que cada cliente poderia levar, evitando ficar com prateleiras vazias.

Nesse mesmo contrato, a cláusula de força maior poderia estar conectada ao site da Organização Mundial da Saúde, sendo acionada sempre que esse órgão decretasse estado de pandemia ou outra emergência de saúde pública. Já poderíamos então contar com gatilhos específicos para que fosse determinado qual remédio contratual mais eficiente a ser aplicado. Ainda, mesmo aviso dado no site da OMS poderia disparar cláusulas existentes nas apólices de seguro do supermercado e do distribuidor.

Sem dúvidas, um longo caminho ainda falta para chegarmos nesta realidade: bancos de dados integrados em tempo real, capacidade dos sistemas de captarem informações externas e perceberem qual gatilho deve ser acionado, instalação de sensores, internet das coisas… mas alguns passos já foram dados ainda antes da COVID-19. Seguradoras começaram a instalar sensores nos carros que, ao acompanhar dias com os motoristas, captam quantidade de freios, velocidade, e, com esses dados, determinam qual risco daquela apólice e, consequentemente, qual valor do prêmio a ser pago. Seguindo esse caminho, quem sabe, já estaremos melhor preparados contratualmente para futuras pandemias.

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