Pandemia Silenciosa e Cocktail Envenenado

Rita Prates
Lisboa Possível
Published in
3 min readApr 21, 2022

Hoje morrerão 9 pessoas em Portugal por causa da poluição atmosférica. Como morreram ontem, e como continuarão a morrer todos os dias. Sim, por causa da poluição atmosférica. Traduzido por miúdos: do cocktail tóxico que sai do tubo de escape dos carros.

Um cocktail invisível, quase sem cheiro, e que respiramos cerca de 20 000 vezes todos os dias: na rua, dentro do carro, dentro de casa, mesmo quando estamos a dormir. Quando somos bebés, adultos, ou idosos, até para os que ainda vivem nas barrigas das mães. Sempre.

A Câmara sabe disso?

Dia 12 de Abril a Lisboa Possível reuniu com a Câmara de Lisboa para falar desta pandemia silenciosa, que mata cerca de 928 Lisboetas por ano. Vieram da Câmara os já conhecidos Gabriela Seara (adjunta do Carlos Moedas) e João Castro (arquiteto da Câmara), e trouxeram os trunfos da Direcção de Ambiente, Clima e Energia Catarina Freitas, Maria João Telha e Pedro Oliveira. A Câmara assegurou que conhece estes números de mortes e doenças, e dizem que estão a lutar para libertar a cidade deste cocktail tóxico seguindo a visão estratégica Lisboa Move 2030 que representa o pensamento do estilo “estas coisas levam tempo”.

O que respiraste hoje?

O que é este cocktail que estou a tomar todos os dias numa soirée sem fim? A receita do cocktail está disponível na Agencia Portuguesa do Ambiente, e na rede de dados abertos da Câmara, que instalou por Lisboa mais de 80 estações para medir as concentrações deste cocktail tóxico. Os dados são abertos para o público consultar livremente e ver se “o ar que respiramos está poluído ou não?”. Infelizmente, ambos os sites falham a responder a esta pergunta simples, a não ser que a Lisboeta seja expert em química, tenha prática na manipulação de dados estatísticos, e saiba de cor quais são as recomendações da Organização Mundial de Saúde. Não se preocupem! A Lisboa Possível pôs os seus óculos de geek, mastigou estes dados com muita atenção, e chegou à conclusão que em Lisboa estamos a matarmo-nos com poluição que produzimos.

O que está nos teus pulmões?

Vamos dar um passeio pela Almirante Reis e pela Baixa, olhando só para dois ingredientes muito especiais: PM2.5 e NO2.

As PM2.5 são poeiras tão minúsculas que conseguem entrar nos nossos pulmões, passar para a corrente sanguínea e contaminar todos os nossos órgãos, provocando micro AVC’s silenciosos no nosso cérebro. A Organização Mundial de Saúde considera que 5 μm/m3 é a concentração máxima que podemos respirar destas poeiras para não corrermos perigo. Na Almirante Reis estes valores chegam a 8 μm/m3, 60% acima do máximo saudável. Já na Baixa os níveis do PM2.5 chegam a 12 μm/m3, mais do dobro do que deviam estar!

E os deliciosos NO2? Óxido de Azoto. Não é preciso ser químico para não ter vontade de respirar este ingrediente que provoca problemas respiratórios. A Organização Mundial de Saúde estipulou 10 μm/m3 como a concentração máxima segura. Mas o nosso barman é tão mãos largas, que NO2 é o principal ingrediente do nosso cocktail. Na Almirante Reis, com 96 μm/m3 os valores estão quase 9 vezes acima! Na baixa, ali na rua do Ouro, encontramos os valores 56 μm/m3, 5 vezes acima. Este cocktail começa a ficar demasiado amargo.

Há soluções? Como limpamos o ar de Lisboa?

A redução do trânsito automóvel é a sardinha mais à mão: transporte público a sério, bicicletas, destronar o automóvel.

As propostas da Câmara, que são bonitas no papel, na realidade contradizem-se com a falta de ciclovias, com o serviço ineficaz de transportes públicos na grande Lisboa, com o investimento em parques de estacionamento e com a diminuição dos preços de estacionamento da EMEL.

Estas coisas “levam tempo”, como nos foi dito. E por cada dia que passa, 9 pessoas morrem vítimas desta pandemia que já tem cura.

A solução é mudarmos a nossa cultura de andar por Lisboa. Mostrarmos que o nosso voto vai para os pulmões saudáveis, transporte público e mobilidade suave. O nosso voto é salvar estas 9 pessoas hoje — e todos os dias.

Partilhem estes argumentos com os vossos familiares e amigos, ajudem-lhes a mudar de chip e largar o carro. A cultura somos nós.

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Rita Prates
Lisboa Possível

Olá! Sou a Rita, e sou apaixonada por sustentabilidade. Com o meu background de cientista, tento traduzir a informação difícil numa linguagem que todos percebam