Fábio Rodrigues
6 min readSep 2, 2015

O Jornalismo Literário (JL) é um dos gêneros mais gostosos do Jornalismo, tanto para quem lê como para quem escreve. A técnica do JL, no entanto, é pouco discutida e, muitas vezes, quem deseja escrever nesse gênero acaba atuando de uma forma muito fechada e acadêmica, como se o método de escrita também fosse fechado.

Porém, o JL — como já disse — é um dos gêneros mais gostosos de escrever. E, por isso mesmo, não pode ser duramente moldado.

Elenquei alguns pontos para facilitar na compreensão do que é o JL e como pode ser aproveitado diariamente em nossos jornais.

Tenha um bom tema

No Jornalismo, tudo pode virar notícia — se tiver relevância. Seja o acidente na esquina, a alta nos preços do tomate, o aumento de promoções nas lojas. Para o JL, isso é muito mais complexo. Em geral, o gênero é pensado para grandes reportagens — e não está errado.

A linguagem do JL facilita abordagens mais completas, profundas, com mais detalhes e reflexões. Por isso, é importante focar no tema da reportagem.

Vale lembrar que, se for muito abrangente, corre o risco de transformar a narrativa em uma viagem sem volta, nada bom.

Ok, mas eu quero escrever JL no jornal diário, com todas as limitações do impresso.

Meus caros, não tem outro jeito senão escrever mesmo. Arrisque nos assuntos cotidianos. São os melhores. Veja como é simples:

O preço do tomate subiu. O óbvio é falar do percentual comparado ao ano anterior e a variação nos últimos meses. O diferencial é conversar com a senhorinha que frequenta todas as semanas a feirinha ao lado de casa e lembra com precisão quanto o produto valia há 20 anos, nesse mesmo local.

O tema pode ser bom, mas é preciso sair do convencional.

Tenha bons entrevistados e bons personagens

A escolha por personagens é sempre o mais difícil. Por vezes, você entrevista alguém por indicação. O problema é que nem sempre é a melhor fonte.

Não adianta: se a conversa não flui, não se sustenta por muito tempo e as inúmeras perguntas não mudam o rosário de respostas de ‘sim’, ‘não’ e ‘às vezes’, é hora de deixar de lado e buscar outro personagem.

O problema não é com você, é comigo.

A timidez em uma gravação de entrevista sempre judia dos jornalistas porque muitas histórias boas se perdem quando o gravador não está ligado. Por isso, avalie a forma como vai entrevistar seu personagem.

Escolha personagens que te mantenham conectado à história. Sabe aqueles causos que a sua avó conta sobre quando ela era jovem, e que no fim você se pergunta por que não viveu naquela época? É preciso sentir isso em uma entrevista para o JL. O jornalista tem de querer viver ou estar presente naquele momento que está sendo narrado pelo entrevistado.

É possível optar por transformar o entrevistado em um personagem ou não. Nem todo entrevistado precisa estar na narrativa, assim como nem todo personagem precisa ser entrevistado.

O pensamento é simples: basta lembrar que existem excelentes biografias de pessoas que morreram antes mesmo do início das pesquisas para a publicação.

Atenção ao personagem e à observação

Quando o entrevistado é o personagem, não basta narrar a história. É preciso conhecer a fundo sobre quem se escreve.

No JL, o personagem precisa ser decifrado, tanto sobre o seu papel na história que está sendo contada, como psicológica e socioantropologicamente.

A observação é um dos melhores métodos para captar as essências do personagem. Com ela, é possível decifrar a leveza do personagem, os ambientes que ele frequenta, como se expressa, a forma de olhar o mundo.

No JL, prefira métodos de entrevista que te facilitem vivenciar a história, experimentar junto com o personagem, estar dentro do mundo dele.

Esse é o fantástico do Jornalismo Literário.

Quando eu escrevi o livro ‘Marcílio Dias nos corações: a história de um vilarejo’, a melhor coisa que fiz foi levar meus entrevistados nos cenários que eu descreveria e dos quais eles tinham alguma história para contar. Minha opção era de que todos os meus entrevistados seriam os personagens do meu livro.

Trecho de ‘Marcílio Dias nos corações: a história de um vilarejo’

Entenda a história

Se uma criança quer contar a história de Chapeuzinho Vermelho, mas não entendeu o conto, não consegue chegar à parte em que aparece o Lobo-Mau. Pense que você é um propagador da história que acabou de ouvir, então precisa entender o que vai contar. Caso contrário, o leitor da reportagem vai entender ainda menos. Ou, talvez, nem vai conseguir chegar a uma conclusão sobre o motivo de você ter tentado escrever sobre esse tema.

Entender a história exige atenção à narrativa do entrevistado e à observação do personagem.

Imagine um filme

O problema da maioria das pessoas é imaginar um começo para as histórias. Os jornalistas conseguem fugir um pouco dessa dificuldade porque o ~maldito nem tão maldito~ lead prevê uma fórmula básica com seis alternativas de início (respondendo às perguntas O quê? Quem? Quando? Onde? Como? Por quê?).

Mas no Jornalismo Literário é quase que expressamente proibido começar com alguma das respostas para o lead.

Qual o livro de literatura que começa de uma forma jornalística tão clássica?

Não chama a atenção do leitor. E tudo o que o jornalista não quer é que o leitor deixe de apreciar sua obra-prima do Jornalismo.

Como eu já escrevi nessa letter aqui, o Jornalismo Literário tem características da literatura. Algumas delas: diálogos, descrições de personagens, de ambientes e de cenas e figuras de linguagem.

Então, aproveite todas essas alternativas e faça do seu texto de JL muito mais interessante de ler.

Imagine como seria essa história se fosse um filme. De que forma começaria? Qual seria primeira cena?

Explore as cenas!

O entrevistado te contou sobre a primeira vez que foi comprar tomate na feira? Questione os mínimos detalhes desse dia e coloque tudo no papel.

Escreva tudo

Não se acanhe. O problema de muitos jornalistas é escrever pensando na edição. Deixe acontecer!

Há alguns dias, eu ministrei uma oficina de Escrita Criativa pelo Sesc de Canoinhas-SC. E lá nós discutíamos justamente a necessidade de deixar a escrita acompanhar o raciocínio rápido, sem se importar inicialmente com a ortografia ou a concordância, mas se preocupando com a necessidade de colocar no papel tudo o que sente e pensa.

A melhor forma de fazer uma reportagem de JL é chegar da entrevista ou da sessão de observação e escrever tudo o que lembra. Cada detalhe, cada frase que chamou a atenção, cada expressão, gesto, ruído (sim, os ruídos também são muito importantes).

Não se preocupe com o tempo, com o espaço que a reportagem terá no jornal ou com a forma como está escrita. Simplesmente escreva. Cada coisa a seu tempo, e a escrita tem de ter um tempo todo para ela.

Cuide com a edição

Depois de escrever a primeira versão da reportagem, aí sim é hora de se preocupar com a edição do material. Uma reportagem mal editada pode comprometer o trabalho de semanas.

Gosto de editar minhas reportagens pensando que sou apenas um leitor.

Se funciona pra mim, preciso confirmar se funciona para outros. O melhor a fazer é deixar que outros também experimentem.

Se houve arrepio ou emoção (emoção não é só choro), está em um bom caminho.

Finalize e publique! O mais gostoso do Jornalismo Literário é perceber o quanto esses textos mexem com as pessoas e como podem transformar a forma como enxergam e atuam na sociedade.

Pra terminar…

Ah, você tem a obrigação de ler Páginas ampliadas, de Edvaldo Pereira Lima. Esse livro é um material fundamental para entender a complexidade e a gostosura de escrever JL.

Já escreve nesse gênero? Publique com a gente! A coleção Jornalismo Literário quer receber mais contribuições para fazer o JL ainda mais conhecido e apreciado no Medium.

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