Além do bem e do mal (Liliana Cavani)

Litera Tamy
Literatamy
Published in
3 min readJan 2, 2017

Aos que se deslumbram com a filosofia, é deveras considerável descobrir como foram as vidas de grandes filósofos, quais acontecimentos os motivaram a frequentar o terreno tão sensível, íntima e coletivamente, do fazer filosófico. É a essa revelação que a diretora Liliana Cavani procurou nos apresentar com o filme Além do bem e do mal (1977), recorte biográfico de Friedrich Nietzsche.

É natural que diante de uma personalidade tão complexa e transgressora quanto foi o filósofo alemão estabeleça-se determinado foco temporal e temático que melhor represente o aspecto de sua vida que pretende-se retratar. Assim, Cavani preferiu iniciar sua película em um momento da trajetória de Nietzsche em que ele já deixou de ser apenas o filólogo filho de pastores luteranos e passou a ter contato direto com a filosofia e com figuras fundamentais à sua concepção como um dos maiores nomes do pensamento mundial, como por exemplo o compositor Richard Wagner.

A primeira cena da cinebiografia é composta, entre outros elementos, por duas presenças elementares para a formação de Nietzsche: a saúde debilitada que guiará muitos de seus estudos e convicções, e o médico amigo Paul Rée. O filme mostra que por conta de Rée Nietzsche conhecerá aquela que foi sua maior paixão, a intrigante russa Lou Salomé. É o relacionamento entre os três que direcionará a visão do filósofo ao raciocínio moderno, ao questionar das relações humanas e da existência em seu tempo.

Essa relação também serve como cerne à produção cinematográfica de Cavani e através dela a diretora italiana explorará alguns dos argumentos principais da obra nietzschiana, especialmente as críticas à moral naturalizada. Nos encontros entre os três, como imaginados e reproduzidos por Liliana, é posto em prática de maneira escandalosa o repúdio à moralidade característico de Nietzsche. Pela exploração da sexualidade, Cavani vai além dos padrões esperados de uma biografia, além da dicotomia redutora entre o bem e o mal. Claire Clouzot aponta que:

A interpretação que ela faz de Nietsche transgride os códigos de nossa cultura. Por isso ela nos fascina. Por isso ela é nietzschiana. Não há mais bem e mal. Somente três princípios: o amor, o masculino e o feminino em busca do ‘riso eterno’.

Ao precisar essa antimoral como motor do trio, o filme faz com que os três sejam continuamente contrastantes ao restante da sociedade ainda regida pelas leis morais. Cássio Starling Carlos diz que

Se as formas da sexualidade interessam tanto à diretora é porque ela enxerga ali uma promessa de liberação das identidades fixas, a possibilidade de experimentar papeis fora das normas sociais, de subverter a tradicional balança de poder entre masculino e feminino.

De fato, Além do bem e do mal não traz nada da tradicional sobrepotência masculina sobre as mulheres. Muito pelo contrário, a impressão que o filme passa é de que Nietzsche possui pouco ou nenhum poder sobre a própria vida diante das figuras femininas que a permeiam, representadas pela amante Lou Salomé e pela irmã Elisabeth. À minha visão pessoal, porém, tornou-se por vezes cansativa a presença contínua do elemento sexual, reiterado por essas duas presenças, explícito em todos os momentos. Talvez porque esperasse mais da reprodução do processo de criação teórica de Nietzsche, a verdade é que senti Lou Salomé como uma personagem muito mais interessante e relevante no filme do que o próprio filósofo, o que não seria problema algum caso a proposta da obra fosse outra. Tal sensação deve-se muito à insistência do componente sexual como destaque.

De todo modo, vale assistir à adaptação pela excelente atuação dos protagonistas e para inteirar-se de uma visão autêntica da vida de Friedrich Nietzsche. Além disso, os textos que constam no livreto do volume 15 da Coleção Folha — Grandes Biografias no Cinema são excepcionais, lucrativos àqueles que buscam saber mais sobre o filósofo e sua obra.

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