a quebra das medianeras

ana guelere
literato
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3 min readJul 6, 2021

(um texto para S).

Medianeras é uma palavra em espanhol que diz respeito à parede vazia do exterior de um edifício, aquela que não possui janelas. O lado exclusivo para abrigar grandes manchas de mofo ou anúncios de pasta para dentes, por exemplo. Assisti um filme argentino que a tem como título. É sobre duas pessoas que moram em pequenos apartamentos em Buenos Aires. Obviamente existem medianeras em seus prédios e, além disso, os protagonistas possuem certo sentimento em comum: a angústia.

A capital é tão grande que qualquer um aparenta ser uma formiguinha caminhando sobre as calçadas. Cafés e bares têm seus desconhecidos. Os detalhes constantemente são relevados por serem esmagados pelo todo o resto. A movimentação é cansativa, torna-se quase impossível enxergar verdadeiramente alguém – o poder do foco não é comum. Corações esperançosos, tampouco. A estranheza de ser um perdido entre milhões os domina.

Mariana e Martin são vizinhos que se conhecem apenas pela internet em decorrência do fenômeno que é a pressa dos dias; já se cruzaram antes e não deram conta disso. Ainda assim passam a (mesma) ideia de que são sufocados pelo cotidiano a cada instante de existência – algo não tão difícil de compreender. É como se sempre estivessem em busca de alguma coisa sem sequer saber o que desejam. Frequentemente demonstram incômodo enquanto acontece a narrativa – dada pelos seus desabafos e pensamentos. Num momento de melancolia, cada um deles quebra um pedaço da parede, constrói uma janela e dá espaço para a luz entrar nos cômodos escuros. Há satisfação, embora não seja tudo – embora não seja a resposta completa. Acredita-se que a agonia é amenizada ao finalmente haver um encontro entre os tais solitários. Apaixonam-se, enfim.

Cada ato possui sua utilidade na hora de respirar melhor. Pois bem, o amor foi como a quebra das medianeras.

O meu propósito, como telespectadora, era conhecer mais de um novo idioma. Lo siento, porque falhei ao me atentar à tarefa. Contudo, os tapas vieram independente das legendas. A vulnerabilidade e emoções não têm diferenças gritantes entre os humanos por estarem em lados opostos das fronteiras, assim como concreto também não segura tudo. Assim como sigo procurando respostas quando nem mesmo entendo minhas próprias indagações. Assim como todo bendito humano tem a necessidade de ser visto e ouvido, mas tanta gente não ouve e não faz esforço para ver.

Aquilo reforçou minha ideia de que o amor está tanto nos impulsos quanto na cautela. Vem quando nos atentamos, todavia, se fortalece ao nascer coragem. Caso o breu o maltrate e os raios de sol sejam a melhor solução, é preciso colocar as mãos à obra. Faça algo e acabe com a fronteira que impede a claridade de adentrar à sala. Tome uma atitude e corra atrás do rapaz de casaco listrado logo que encontrá-lo. Se não bate à sua porta, considere encarar a multidão a fora assim que julgar certo.

Sabe-se lá o que nos espera do outro lado da cidade. Não é possível fazer apostas sobre o futuro quando o mundo é repleto de casualidades, tão menos convencer-nos de que o fim se deu por um caminho errado. Veja bem em volta. Repare no que lhe chama e merece tua atenção. Com calma, respirando fundo. É tudo gigante demais e engole a gente, mas ainda temos alguma escolha.

Precisa-se de fôlego.

No más. Quebre as medianeras.

(P.S: também prometo falar com Wally quando vê-lo por aí).

fotografia tirada por Gustavo Taretto, diretor do filme, antes do lançamento.

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ana guelere
literato

crio e reviso. convivo com a poesia desde dois mil e alguma coisa. @casmurromorreu.