Café&Chá

Tiffany Uchôa Jarjour
literato
Published in
5 min readSep 18, 2021

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Cartas de amor do futuro, escritas pelo passado.

Caro John,

Quando essa carta chegar em suas mãos talvez já seja tarde demais, mas então que seja.

Eu sempre quis um namorado inglês. Um com gosto de chá de hortelã e cheiro de chuva molhada. Alguém que fosse parecido com aqueles nos filmes, mas não tanto para que ainda houvesse surpresas. Eu te agradeço por ter me dado isso, ah e como você me deu coisas.

Eu acendi uma vela por você noite passada, pelo o que vivemos. A chama durou mais do que eu imaginava e a luz dourada me lembrava o bronze nos seus olhos, malditos olhos cor mel. Isso me fez pensar, me fez lembrar de nós. Lembra de quando eu derramei café na sua camisa? Eu lembro. Você ficou com o cheiro o resto do dia e acho que toda vez que levar um copo de café a boca vou sentir um pouco do seu gosto. Um gosto que é suave demais para ser descrito mas saiba que sempre será seu. Algo amendoado com hortelã, uma mistura de se estar no topo de uma montanha-russa e assistir um pôr do sol, algo como aquela dor maravilhosa de exaustão por se fazer exercício demais.

Você era o britânico perfeito, mas eu já não sou tão ingênua para te achar o príncipe do meu conto de fadas. A essa altura nós dois sabemos que nos contaram mentiras, parece que realmente nos prometeram um falso filme de romance mas os bailes e rodopios sempre terão um lugar especial nas minhas memórias.

Na primeira vez que nos vimos eu prestei atenção em como você não colocava açúcar no chá, em como você me olhou com uma cara horrível quando eu coloquei três colheres na minha xícara. Demorou um tempo pra eu entender que eu era doce demais pra você, talvez não de um jeito ruim, mas nós deveríamos saber que assim como quando se dá um doce de criança para um adulto, o chocolate mais delicioso pode ser enjoativo.

Nunca pensei que iríamos combinar tanto, que você aceitaria o amargo em mim como o café que eu derramei em você, e que eu me sentiria em casa com seu cheiro de hortelã. Quem sabe um dia o tempo nos conte coisas que não sabemos, mas hoje eu vim te contar o que eu vi, o que eu amei e o que eu deixei, você.

Será que agora, lendo essas frases repletas da mais fluida melancolia que você sempre viu nos meus olhos, entende que eu era seu veneno, e você o meu? Tenho a impressão que se continuássemos ninguém ficaria vivo para contar a história e nossa história é boa demais para ser escondida, pode parecer mas não sou tão egoísta assim. Claro que não posso mentir, eu queria você só pra mim, cada pedacinho seu, cada respirar, cada ideia mirabolante que borbulhava nessa mente que parecia um show de fogos de artifício. Mas só agora, sentada nesse banco sujo de aeroporto, posso escrever, te dizer com certeza que você nunca foi meu, nem por um segundo.

Você se lembra do casamento dos seus primos, quando tocou aquela música? Se eu fechar os olhos consigo ver você pulando no sofá quando você me mostrou ela pela primeira vez. Aquela daquele filme velho, mais velho que nossos pais, e, que quando tocou você ficou tão animado que fez com que a pipoca caísse no seu colo quase toda. Caiu mais em você do que em mim, mas você não ligou.

Seus primos se casaram no inverno e eu fui teimosa o suficiente para ir com aquele vestido azul com as costas abertas. Eu estava tremendo de frio quando você me levou pra dançar, você levou um susto com minha tremedeira e ao invés de uma bronca recebi um abraço. Você me segurou como se eu fosse uma pérola em uma ostra. Parecia que minha cabeça se encaixava perfeitamente em seu ombro, assim como suas mãos em minhas costas, mas talvez eu tenha bebido champanhe demais. Ficamos abraçados, nós dois sabíamos que você não era corajoso o suficiente para fazer seus passos de dança criados por ninguém menos que você em público. Eu nunca entendi muito bem o que você fazia, mas não sei se podemos chamar de dança. Era um “balancê” engraçado de ser ver e se um dia me amou peço que nunca mude, mas não estou mais aí então o que estou dizendo, faça o que quiser.

Eu peço que chore muito, sinta a dor e a raiva se misturarem até fazerem lágrimas despencarem como uma tempestade carregada em suas bochechas. Espero que grite em um travesseiro na tentativa frustrada de abafar o som para que seus vizinhos de cima não escutem, que fique com tanta raiva de eu ter saído de fininho e que queira me xingar de palavrões que nem ao menos existem.

Não quero jogar pragas mas espero que saiba que nunca vai achar alguém como eu, assim como espero que tenha revirado os olhos ao ler isso. Você sempre fez isso quando eu dizia algo estupido mas que você sabia que era certo. Nós dois sabemos que é verdade, afinal eu também sei que nunca vou achar alguém como você, não nessa vida.

Eu espero que entenda que eu tive que ir, tive que pegar os lençóis da cama e fazer uma corda para sair desse castelo pela janela do nosso quarto. Saiba que o céu estava lindo quando eu parti, que as estrelas se despediram de mim por você, e que elas nunca brilharam tanto quanto no seu adeus.

Por fim, eu te tranquilizo. Nós ainda vamos nos ver, em vários lugares e por muito tempo, seja no fim de tarde quando servirem o chá pra mim no hotel, ou mesmo quando você for ver seu filme antigo que eu agora consegui estragar. Você vai me ver nos museus, em cada quadro vermelho assim como o batom que eu gostava de usar. Em cada loja de roupas eu estarei lá como aquele vestido azul, em cada joalheria eu serei sua pérola esperando que você me abrace, e em cada gole de café você sentirá meu gosto, amargo, escuro, moído e torrado. Eu nao sou britânica sabe, e você não deveria gostar de café mas cá estamos nós, você já deveria saber que eu iria escorrer, que eu iria escorrer e o gosto faria falta.

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