intocável;

andy souza
literato
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4 min readJul 31, 2021

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eu vejo o seu rosto refletido sobre os ecos do meu passado como uma sombra
que reveste a parte boa de um sonho e me faz esquecê-lo na manhã seguinte.
nele, sempre há uma penumbra sussurrando ao nosso redor e se assemelha a
uma cortina que nubla o ambiente e nunca me deixa reconhecer o quão
distante você está de mim. toda vez que faço menção em me aproximar, um
passo em falso e eu te perco de vista. assim como o ar que vem e vai, você é
engolido por ele, e por ironia ou só uma piada de mau gosto feita pelos deuses, o mesmo acontecia com a fumaça do cigarro que a tanto custo você parou de tragar. e quando estou prestes a sufocar envolvida pelo abismo da sua falta presente na minha sonolência, desperto torcendo para que você venha me visitar outra vez e que nesta, eu seja capaz de alcança-lo.

todos os dias os meus anseios se repetem, eu rezo para que a noite chegue e
que no meio dela, entre a madrugada e o alvorecer, eu possa te encontrar
como um refúgio que nunca antes havia me permitido criar casa, pois a única
pessoa que me envolveu com tanta segurança como os seus braços o fazem
está indo embora agora.

quando as estrelas estão prestes a se alinharem no céu, eu peço com a força
dos rangidos feitos pelo desespero, o qual tem mastigado o meu coração
desde o prelúdio da sua partida, que você possa voltar, que possa permanecer
na minha pulsação e fazer lar bem aonde o meu fôlego se abastece das
reticências que ficam em cada arfar emanado por você. já não suporto a ideia
de tê-lo tão intocável, tão sempre pronto para desaparecer no momento
seguinte em que a minha necessidade de você implora tão alto pela anatomia
do seu ser junto ao meu por inteiro.

é com a passagem das estações que eu trago dentro de mim o receio. tenho
esse medo enraizado em toda parte; medo de que o meu olfato esqueça do
seu cheiro, que os meus olhos não encontrem outro par de estrelas que me
façam sentir no paraíso, que a minha boca só profira lamúrias de saudades,
quando numa outra versão nossa, nem tão distante, podia encontrar um misto
de loucura e compreensão na sua também.

e se as suas mãos não estão aqui, a quem mais poderei agarrar quando outros
desses pesadelos me tomarem de assalto em horas como essa?

eu quero ouvir a sua voz. aquela gravidade descompassada de como as
sílabas soam com o movimento da sua língua e os agudos percorrem o meu
corpo fazendo arrepios, como se a minha audição sempre houvesse estado
sintonizada na região que faz bater a vida em você e que através dela, me
contagia também.

e por mais outra noite eu estou falando com os céus e revendo a sua essência
em todas as memórias que construímos: a pele negra, os olhos intensos, a
boca carnuda, o corpo alongado, muito maior do que o meu e que sempre me
levou as alturas. sem mencionar o seu coração profundo, que me fez conhecer

e revelar o melhor e o pior que existe em mim; lados tão distintos, um deles me salva e o outro, é a minha ruína.

então, novamente eu estou aqui e como tanto já fiz, hoje não seria diferente.
religiosamente, me deito como tenho costumado fazer desde que você deixou
os lençóis amontoados de um lado da cama. eu fecho os meus olhos e as
imagens vagueiam, projetando-se pelo teto desfigurado do meu quarto. é o tipo de roteiro trágico que reside em histórias de amor e eu nunca serei capaz de testemunhar. é impossível para mim, não desejo aceitar o fato de que você
nunca mais vai voltar e eu peço que durante o pouco tempo em que estou
adormecida, você possa vir me visitar e me levar para longe de toda a
existência possível em que eu não possa me aconchegar no seu peito,
saborear o seu riso e chorar junto com você cada lamento que pesa em suas
costas.

todavia, quando eu abro os meus olhos no raiar do sol, tudo o que eu encontro
é o vazio, a ausência e a neblina que remexe os meus olhos que estão prestes
a iniciar mais uma tormenta. é nesse segundo que eu me recordo de um
veredicto imutável que sempre vai me perseguir e ele é aquele que me
machuca tanto ao dizer que nunca mais vou ver, sentir, escutar, provar e viver você. amar você.

você é intocável e eu ainda continuo te procurando.

você sempre vai ser intocável para mim e não há uma noite sequer do agora
até o meu fim, que eu não peça pela sua presença, pelo seu dançar em mim,
pelo seu amor amando o meu amor também.

mas, a verdade pareia nos nossos vestígios silenciados pelo mundo e pelas
nossa lembranças que só prevalecem seladas na minha alma. elas me revelam
que somos intocáveis demais para nos reconhecermos, que somos intocáveis
demais para ficarmos juntos nessa, numa qualquer ou próxima dimensão.

mas talvez numa outra vida…
possamos partir juntos.

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andy souza
literato

pseudo-várias coisas relacionadas ao viver, especialmente em ser escritora.