O que encontramos nas chamas, uma novela profunda — uma resenha de Ana Lícia Morais.

Ana Licia Morais
literato
Published in
4 min readJul 29, 2021

O que encontramos nas chamas é uma novela escrita por Mayra Sygwalt que foi publicada de forma independente na Amazon em 2020. Nessa história de 94 páginas acompanhamos a trajetória da Camila, que a pedido de sua mãe que está no leito de morte, volta a casa de seus tios maternos a procura de um álbum de fotos. Esse retorno, porém, não é nada fácil, uma vez que foi nessa casa que a protagonista passou por traumas e feridas que marcaram o seu corpo. Com angústia, acompanhamos a sua trajetória dentro da casa, revivendo lembranças e memórias de um momento difícil e perturbador.

Com idas e vindas entre o passado e o presente, vemos com detalhes os momentos felizes que a Camila teve na infância e também os momentos mais cruéis. No início fiquei um pouco confusa com a mudança do tempo, mas achei sensacional depois que compreendi as transições dos períodos. Além disso, a escrita da Mayra é muito sensível e percebi que a ela mesclou traços do realismo mágico para fazer denúncias fortíssimas que ainda estão presentes na nossa sociedade, infelizmente.

Além de falar sobre o abuso sexual, a autora também abordou sobre racismo, preconceito e bullying. Apesar de não ter se aprofundado tanto sobre esses assuntos, gostei muito da reflexão gerada.

No início do primeiro capítulo há um aviso importante sobre gatilho de abuso sexual. Entretanto, por mais que eu tenha lido a história com extrema consciência dos temas sensíveis, ainda assim foi um soco no meu estômago enfrentar certas partes, sobretudo ao refletir sobre a realidade brasileira.

O IMPACTO DO ABUSO SEXUAL

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o abuso sexual infantil é considerado como um problema alarmante de saúde pública. Pode-se definir abuso sexual como poder ou abuso relacionado à intimidade corporal entre um adulto e uma criança ou adolescente que acontece dentro ou fora do círculo familiar, com objetivo de satisfação de um ou mais adultos (Childhood Brasil, 2009). A impossibilidade de decisão por parte da criança ou adolescente e o abuso de poder executado pelo abusador são aspectos relevantes a serem analisados quando definimos o significado de violência sexual.

O abuso sexual pode ocorrer tanto por ameaça física quanto verbal. Por mais que não ocorra contato físico entre o abusador e a vítima, ainda é uma violação que deve ser denunciada às autoridades. Como exemplo de violência sem contato, podemos citar:

- Assédio sexual verbal, como falas obscenas e erotizadas.

- Exibicionismo (ato de expor órgãos genitais a terceiros) e Voyeurismo (ato de observar o outro em situações privadas).

- Exibição de material pornográfico.

Conforme o dado levantado em 2018 pelo Ministério da Saúde em relação a violência sexual, dois terços dos episódios de abuso ocorreram dentro de casa. 25% dos casos os abusadores eram conhecidos das vítimas e 23% eram pais ou padrastos. As estatísticas, entretanto, não são absolutas, uma vez que há casos em que as vítimas não rompem o silêncio, omitindo o abuso. Isso pode ocorrer devido a insegurança, dúvidas e medos, ao sentimento de culpa e a ameaças que são feitas por parte dos abusadores. Outro ponto a ser ressaltado sobre a omissão é que em muitos casos, ao fazer a denúncia a algum familiar, o parente pode ser conivente com o abuso, tendo uma dificuldade em acreditar no relato.

Ao falar sobre esse assunto, é importante frisar que o abuso sexual é uma temática complexa que envolve um conjunto de rupturas de relacionamentos, tanto dentro quanto fora da estrutura familiar. Trata-se de um tema extremamente necessário, atual e urgente a ser discutido e que possui uma enorme repercussão na vida dos envolvidos, sendo um problema urgente de Saúde Pública.

“Como se mata um monstro que só vive na sua memória?”

As vítimas de abuso carregam consigo sequelas em diferentes graus, acarretando problemas no desenvolvimento cognitivo, emocional e comportamental. O que encontramos nas chamas demonstrou perfeitamente como a violência deixa marcas. Precisamos dar voz, cuidado e atenção às vítimas. Precisamos debater, conscientizar, prevenir, orientar, informar e mobilizar a população sobre os efeitos e agravamentos do abuso sexual.

Mayra entregou um livro delicado, importante e que liberou uma chama em mim que não imaginava encontrar.

CANAIS DE ATENDIMENTO

De acordo com o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, dos 159 mil registros feitos em 2019 pelo Disque Direitos Humanos, 86,8 mil são referentes à violação de direitos de crianças ou adolescentes. Essa porcentagem aumentou em 14% em relação a 2018.

O Disque 100 e o aplicativo dos Direitos Humanos são plataformas gratuitas e que funcionam 24 horas por dia. Esses canais dão suporte e atendem situações de violações que acabaram de ocorrer ou que ainda estão em curso. Gratuito, anônimo e seguro.

Caso tenha interesse sobre esse assunto, irei deixar aqui embaixo os links que usei em minhas pesquisas:

https://www.scielo.br/j/psoc/a/q39qMLgvCyXGjKYkVmjyTDh/?lang=pt&format=pdf

https://www.scielo.br/j/epsic/a/PMMt4c8npYnTQ4z6wBhhSfw/?format=pdf&lang=pt

https://www.childhood.org.br/tipos-de-abuso-sexual-de-criancas-e-adolescentes

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Ana Licia Morais
literato

22 anos, estudante de psicologia e escritora nas horas vagas. Ama criar heterônimos e viajar em suas criações. Encontrou na poesia uma forma de desaguar seu eu.