“Pax”: um livro infantil que deveria inspirar adultos

ana guelere
literato
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3 min readOct 14, 2021

Entre a infinidade de maneiras de trazer ensinamentos às crianças, é fato que a literatura acaba por ser uma das mais especiais por influenciar positivamente e criar bons hábitos para o futuro. “Pax”, da norte-americana Sara Pennypacker, é uma das histórias que, apesar da narrativa, pode atingir e se mostrar necessária tanto ao público infantojuvenil quanto ao adulto.

A obra gira em torno das relações dos personagens e a coragem presente em cada um deles: Pax é o nome de uma raposa domesticada que passou a vida toda ao lado de Peter, um menino de doze anos de idade que mora com o pai. Com a aproximação de uma guerra, o homem decide se alistar para o exército e acaba por deixar o filho sob a responsabilidade do avô — entretanto, Pax deve ficar para trás. A raposa é abandonada na beira de uma estrada na floresta. Mesmo que aquele seja seu habitat natural, é claro que um animal em suas condições não saberia como agir ao se deparar com o que até então seria um ambiente desconhecido.

“Eu vi coisas ruins. Não no meu menino, nunca nele. Mas no pai dele, sim”.

Peter não demora muito para tomar a decisão de partir em busca de seu amigo: com um mapa, uma mochila, apetrechos e bastante força de vontade, o garoto foge da casa do avô e corre porta a fora. Enquanto isso, Pax arrisca tentar voltar ao antigo lar pelo mesmo motivo. Podemos dizer que a história tem um verdadeiro começo quando ambos são movidos pela amizade tão especial, mas também é sobre os distintos trajetos percorridos pela dupla. Após um acidente durante a viagem, Peter se machuca e conhece Vola, uma misteriosa ex-militar e dona de uma fazenda distante da sociedade. Com uma personalidade tanto forte e expressões rígidas, Vola se oferece para ajudar o jovem a se recuperar e continuar sua jornada — porém, há condições: Peter, além de treinar muito para voltar a se manter em pé sozinho, precisa ensaiar uma peça com marionetes e fazer uma curiosa apresentação para a nova parceira.

Distante de seu menino, Pax aprendia a “se virar” em meio às árvores. Para sua sorte, logo no início, o animal encontra outras raposas e cria um tipo de vínculo com elas — ainda que seu cheiro “de humano” seja motivo de receio sobre as intenções do próprio. Longe de casa e em meio ao perigo iminente da guerra, Peter e Pax criam laços com aqueles que mostram o outro lado da moeda por terem a conhecido de perto.

“Tem uma doença que às vezes dá nas raposas que as faz atacar estranhos e agir de maneira fora do normal. A guerra é uma doença humana parecida. (…) Na época, a guerra chegou a terra onde morei com humanos. Tudo foi destruído. Fogo para todo lado. Muitas mortes, e não só dos doentes de guerra, que são os machos adultos. Crianças, mães, idosos da própria espécie também. E todos os animais. Os homens que estavam com essa doença cuspiram caos pelo caminho todo.”

Lançada no Brasil pela Intrínseca em 2016, a ficção criada por Sara Pennypacker traz à tona um assunto comovente de uma maneira sensível e simples ao mesmo tempo que mostra a importância do afeto e companheirismo. Em tempos perversos, apresentar uma história como essa à juventude e considerá-la também em nossa fase “madura” pode soar como uma grande lição — essa capaz de nos fazer questionar certas coisas e apreciar outras.

“Não é porque não está acontecendo aqui que não está acontecendo”.

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ana guelere
literato

crio e reviso. convivo com a poesia desde dois mil e alguma coisa. @casmurromorreu.