Sobre um Brasil desconhecido — uma resenha de Torto Arado

Ana Licia Morais
literato
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2 min readJun 10, 2021

É sempre um desafio falar de Torto arado, isso por conta da experiência ímpar que tive com essa obra. Às vezes sinto que não há palavras que possam descrever com exatidão tudo o que senti lendo. Não é um livro fácil, pelo contrário, é uma história crua que denuncia as desigualdades de um Brasil desconhecido pelos próprios cidadãos.

Escrito pelo autor baiano Itamar Vieira Junior, Torto arado narra a história de duas irmãs gêmeas, Bibiana e Belonísia, que sofrem um acidente após acharem um objeto misterioso guardado nas coisas da avó. Após o ocorrido, a vida das suas se ligam e entrelaçam a ponto de uma precisar da outra para as mínimas coisas — até mesmo para falar, por exemplo.

Há todo um misticismo acerca desse incidente, e creio que abordar mais sobre o enredo e a narrativa pode estragar toda a experiência de um novo leitor para com a obra.

O livro é cercado de personagens fortes, sobretudo as protagonistas femininas. Entretanto, conhecemos além. Acompanhamos toda a comunidade de Água Negra e os trabalhadores rurais que lutam pelas terras que deram o seu suor para construir. Contemplamos todas as dificuldades que o povo enfrenta, como a fome e a falta de liberdade. Percebemos claramente como as sequelas da escravidão perpetuam mesmo após a assinatura a lei Áurea, haja vista que a princesa Isabel sancionou a lei, mas isso não significou, de fato, o fim.

Itamar foi preciso ao descrever sobre a ancestralidade do povo brasileiros e suas raízes. O livro se passa no sertão do país, mais especificamente na Chapada Diamantina, então somos apresentados as desigualdades e adversidades existentes na região. Apesar disso, os personagens possuem a resistência, religião e irmandade como um grande elo que une as forças para lutar contra as precariedades em que enfrentam.

Com uma escrita poética, linda e cirúrgica, o autor transmitiu os anseios dos personagens de uma maestria única a ponto de eu conseguir sentir a empatia necessária para uma melhor compreensão de todos os obstáculos. Além disso, senti que o livro possui uma certa atemporalidade. Assim como essa história pode se passar nos anos passados, infelizmente é possível que ainda se passe em um Brasil atual.

Torto arado é uma leitura incomoda, principalmente por falar sobre problemáticas que ocorrem até hoje. É necessário sair da zona de conforto e fazer uma reflexão acerca de todos os temas abordados. Itamar denunciou um Brasil que precisamos falar cada vez mais sobre.

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Ana Licia Morais
literato

22 anos, estudante de psicologia e escritora nas horas vagas. Ama criar heterônimos e viajar em suas criações. Encontrou na poesia uma forma de desaguar seu eu.