Um livro difícil de ser lido, mas necessário.

Ana Licia Morais
literato
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3 min readMay 20, 2021

Em meados de março e abril de 2020 eu embarquei na leitura de Ensaio sobre a cegueira e, por incrível que pareça, ler esse livro durante uma pandemia foi a melhor experiência que eu tive.

Nesse livro, uma “cegueira branca” atinge um homem no trânsito e, aos poucos, vai se espalhando entre os cidadãos até virar um surto epidêmico totalmente incontrolável e desconhecido. Ninguém sabe ao certo o que está ocasionando isso e muito menos como, a única coisa que sabem é que é totalmente transmissível. Por esse motivo um grupo de cegos — os “primeiros” atingidos — são levados para um manicômio desativado para cumprir uma quarentena. Nesse local acompanhamos a estadia e a precariedade que os indivíduos são submetidos, sem o mínimo de higiene e humanidade, literalmente necessitando dar a sua vida para sobreviver.

Saramago não peca nas descrições, por isso é muito angustiante ver o dia a dia daquelas pessoas em reclusão. As condições são desumanas e os personagens são tratados como se fossem um mero objeto descartável — foram esquecidos.

Ao escrever essa resenha, descobri que falar sobre um livro escrito por Saramago é um desafio, e não porque a premissa é complicada, mas sim porque o livro te traz tantos sentimentos que só lendo para saber de fato o que o autor quis transmitir. Saramago não quer desvendar sobre a cegueira branca, e sim expor a consequência dela. Aqui, as pessoas perderam completamente o controle das coisas, e há um retrocesso na questão da civilidade. Além disso, a deterioração do sujeito e de seus comportamentos é totalmente visível.

A escrita de Saramago é peculiar. No começo pode ser difícil se familiarizar com o novo jeito de se contar a história haja vista que estamos acostumados com sinais e pontuações. Ademais, a história te emerge tão grandiosamente para dentro daquela realidade que nos acostumamos. Claro, esse livro requer muita atenção, principalmente por haver muitos simbolismos por trás de cada sentença. A escrita do autor é muito crua, ou seja, talvez você encontre partes delicadas e difíceis de serem engolidas, por isso já fica o aviso de gatilho — certas cenas foram tão asquerosas e desumanas que precisei fazer uma pausa longa antes de voltar a leitura.

Acompanhar essa história enquanto vivemos tempos tão complicados te traz questionamentos preciosos. Refleti bastante em relação aos nossos atos e comportamentos e como isso pode afetar positiva e negativamente o outro.

No decorrer da leitura me deparei com a seguinte frase: “Numa epidemia não há culpados, todos são vítimas”. Há um ano, concordei. Hoje, em 2021, possuo um olhar diferente em relação a essa sentença. Estamos há um ano enfrentando uma pandemia, então pensar sobre as nossas responsabilidades é fundamental. Usar máscara, apoiar a ciência e se vacinar, não furar quarentena, não espalhar fake news e ficar atenta no desgoverno são coisas essenciais e básicas, e compreender isso faz com que tenhamos um papel indispensável enquanto cidadãos.

Ensaio sobre a cegueira não foi um livro fácil de ser lido, mas sim necessário. Sem dúvidas foi uma das melhores leituras do meu ano de 2020. Indico, mas vá preparado e leia quando a sua saúde mental estiver boa.

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Ana Licia Morais
literato

22 anos, estudante de psicologia e escritora nas horas vagas. Ama criar heterônimos e viajar em suas criações. Encontrou na poesia uma forma de desaguar seu eu.