A fórmula John Green

Victor Hugo (vitorinu)
o vitorinu
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6 min readJul 28, 2020

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Advinha só: É nerd, tem amigos espirituosos e está apaixonado pela menina popular da escola?

Se você pensou em um personagem de algum livro do John Green, talvez, é porque 1) Uma foto imensa dele abre o post 2) Você reconheceu a fuça do John logo de cara 3) Foi um jovem que devorou os livros dele na última década ou 4) Tudo isso junto e misturado.

Eu fui um jovem que consumiu seus livros na adolescência. Lembro de ficar chocado com a reviravolta na metade de 'Quem é você, Alasca?' e de ter sido tocado pelos elogios fúnebres de Hazel a Gus em 'A culpa é das estrelas'. Isso pode ser assunto para outro post.

O que acontece é que resolvi ler alguns livros que deixei de lado quando amadureci(um pouco) o meu gosto literário. Em 2020, li 'Cidades de papel' e 'O teorema de Katherine' e consegui escutar, com mais clareza, a voz de John Green. Todos os escritores tem, mas acho John nada sutil.

Ele tem uma fórmula muito encaixotada que causa um cansaço em quem resolve ler mais de uma história contada por ele. Decidi então escrever sobre os acertos e erros desses elementos criados e resgatados por John e fazer um ranking das suas obras. É uma rinha de nerds.

Helenas adolescentes

A garota problema é um pilar importante. Ela tem uma beleza magnética, é impulsiva, inteligente, um tanto manipuladora ou misteriosa. Ela está presente nas primeiras obras de John Green: 'Quem é você, Alasca?'(2005), 'O teorema de Katherine' (2006), 'Cidades de papel' (2008), 'Will e Will, um nome, um destino'(2010).

O acerto é que geralmente são personagens interessantes e se movimentam com potência pela história, mas sofrem uma baixa por serem muito idealizadas pelos protagonistas masculinos que são obcecados por elas. No final, elas acabam caracterizadas como filhas da Helena de Tróia que habitam o mundo moderno.

Margo Spiegelman e Alasca Young são os principais exemplos. Sozinhas são um poço de respostas espirituosas, mistério e vivacidade. Ao lado de Quentin e Miles, respectivamente seus pares, se tornam insensíveis, frias e manipuladoras. O grande problema está em como esses defeitos são expostos. Parece que elas são assim porque não correspondem idealizações deles.

Alasca é a única que tem uma história mais conturbada e isso conquista empatia do público. Já Margo desperta antipatia porque decide criar um novo mundo longe de tudo e de todos. Ambas arrastam esses meninos para os seus problemas e eles alcançam um novo nível de maturidade no final.

Tchau, zona de conforto

Histórias sobre o crescimento de personagens jovens é outro ingrediente da trama. Para isso é preciso sair da zona de conforto. Isso John sabe fazer muito bem, principalmente, em ‘Quem é você, Alasca’ que é divido entre os dias antes e os depois de um grande acontecimento. Ele muda a vida de todos.

Seja embarcar em uma viagem de carro pelos EUA ou ajudar o seu melhor amigo gay a montar um musical, seus livros bebem da fonte da jornada básica de storytelling com coadjuvantes encarnando arquétipos e desafios que empoderam seus protagonistas desajustados.

Regras e manias peculiares

Miles está atrás do seu ‘Grande Talvez’. O que é isso? Vai saber. Ele leu essa frase em uma biografia de um importante poeta porque é um garoto que se interessa por livros de memórias de personalidades importantes. Um tanto incomum. Will Grayson tem uma regra definida: Não se importar com o que acontece a sua volta e se expressar o mínimo possível.

Essas regras sociais bem definidas e manias interessantes para um adolescente ter são mais uns dos elementos presentes em todas as obras de John Green. Geralmente, essas regras e manias se voltam contra ou a favor da resolução do protagonista. Miles precisa investigar um ‘Grande Talvez’ que surge na figura de uma pessoa que ama. Will precisa aprender a confiar mais em si mesmo e deixar as pessoas o conhecerem melhor.

Então, se uma história tem uma menina problematicamente bonita, amigos espirituosos cheios de piadas internas, uma mania estranha, um nerd desajustado e um acontecimento que arranque o protagonista da zona de conforto, temos um romance do John Green, mas o que temos quando o próprio John Green foge da fórmula que criou?

Fora da curva

Seu maior sucesso comercial, ‘A culpa é das estrelas’ apresentou, pela primeira vez, uma menina como protagonista. Hazel Grace é um ponto fora da curva para a fórmula John Green. Ela é melancólica, sarcástica, sensível. Não só a personagem, como sua história agridoce que se trata sobre a relação entre adolescentes com câncer.

A finitude da vida é, com certeza, um tema desagradável, mas que John consegue abordar muito bem. O desenvolvimento da maturidade dos seus adolescentes não é feito da mesma maneira porque Gus e Hazel já passaram por muita coisa. Sentiram dor, ficaram cercados de cuidados desde cedo, ficaram constrangidos com o olhar de pena de estranhos.

Acabou que o mundo comprou essa história de amor que o único obstáculo era a incerteza de um tratamento médico. Parece que John adotou um dos elementos da sua fórmula já desgastada depois de 'Will e Will, um nome, um destino'. Sair da zona de conforto. John saiu, mas com pesar. Agora, ele precisava se superar e isso fez ele perder o prazer em escrever.

A dificuldade foi tanta que ‘Tartarugas até lá embaixo’, livro que continuou a com a nova guinada da sua carreira, só foi lançado em 2017. Cinco anos depois de ‘A culpa é das estrelas’. Nele a protagonista chamada Aza Holmes sofre da mesma doença que seu criador: TOC, transtorno obsessivo-compulsivo. É um bom livro, mas ainda não eficiente. Os personagens não conquistaram muita simpatia ao longo da história.

Não sei se John vai continuar fugindo da fórmula que criou no início da carreira. Na verdade, isso nem importa. As palavras de John Green sempre irão se voltar para a jornada épica de adolescentes sobre manias, dores, inseguranças, amor e, principalmente, amadurecimento. Ele sempre será uma grande referência para o gênero de livros 'Young Adult'(para jovens adultos).

Em uma entrevista ao The New York Times no ano passado, ele respondeu uma pergunta sobre como diferencia ficção adulta para livros ‘Young Adult’:

Eu não sei. Não é algo que eu pense muito. Eu gosto de escrever para e sobre adolescentes, porque os jovens estão pensando em tantas perguntas importantes, sobre amor, significado e justiça. E talvez em parte por serem novos nessas questões, os adolescentes tendem a abordá-las sem muita vergonha ou distância irônica. Meus romances YA favoritos exploram amor, perda e significado com o mesmo entusiasmo irônico.’

Eu já ia me esquecer do ranking. Lá vai:

  1. Quem é você, Alasca?
  2. A culpa é das estrelas
  3. Cidades de Papel
  4. Tartarugas até lá embaixo
  5. O teorema de Katherine
  6. Will e Will, um nome, um destino (Em parceria com David Levithan)

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Você pode ler a entrevista completa de John Green ao The New York Times clicando aqui.

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Victor Hugo (vitorinu)
o vitorinu

Jornalista, apaixonado por livros e desbravador de sebos do Rio de Janeiro.