A jaca do cemitério é mais doce | de Manoel Herzog
Eu moro no subúrbio do Rio de Janeiro. É comum ouvir por aqui, em conversas nas esquinas, botecos e salões de beleza, histórias sobre pessoas que perderam o rumo. Contos sobre traições escandalosas, crimes inspirados no código de Hamurabi e ascensão social medida pela aquisição de uma TV de não sei tantas polegadas.
O romance de Manoel Herzog, escritor paulistano de 56 anos, ‘A jaca do cemitério é mais doce’ apresenta tipos brasileiros que podem ser reconhecidos em vários bairros suburbanos. Do Rio a São Paulo. Falo isso porque a história se passa na cidade de Cubatão, na Baixada Santista, em um estilo que mistura romance e crônica. Ela apresenta o protagonista Santiago Hernández, um operário desajustado e contraditório na sua malícia e inocência. Por ele, transita outros personagens com posições políticas errôneas, vícios, erros, maldições e trambiques.
Santiago é doido por jaca e Natércia, uma ‘crush’ da escola que nunca deu bola para ele. Mais tarde tudo muda. Ele cresce, se joga na gafieira, despreza a faculdade e consegue emprego na mesma fábrica insalubre que matou seu pai. No final, nem tudo muda no Brasil. A classe de operários só é substituída por novos rostos, histórias e nomes. Melhor, apelidos.
A relação de Natércia e Santiago é prejudicada por fofocas, ciúmes e um terceiro elemento chamado Vivaldo, ex-policial expulso da corporação por se envolver com tráfico e execuções de mendigos a pedido de comerciantes locais. O triângulo amoroso, trágico desde a sua concepção, é romanceado por trechos de músicas de MPB e samba das antigas.
É como se você estivesse em uma mesa de bar, escutando essa história da boca de um vizinho de Santiago, com canções de corno emitidas por uma jukebox velha. A narrativa é muito influenciada pelo estado de espírito do protagonista que definha na sua casa sentindo a dor do amor traído, perdido e abortado. Lembra de histórias de família e se regojiza pelo falso poder de materializar maus desejos.
O livro faz interessantes ligações entre a jaca, uma composteira, cheiros, sons, fantasmas do passado assombrando noites delirantes. Outros personagens transitam na crescente loucura: Maricleide, a diarista pobre de direita, Poeta, amigo de Santiago e ex-colega de trabalho, outras mulheres com formas distintas de enxergar o mundo, viciados, matadores de aluguel, pedreiros crentes. É um carnaval de tipos famosos por aí que mal aparecem em telas, outdoors e revistas.
A jaca é um fruto que atrapalha a natureza. Igual ao amor que desperta o lado ruim do ser humano. Posse, angústia e obsessão. O cheiro do que já se foi é o mais doce. Igual a uma jaca colhida do cemitério de pessoas, sonhos e amores. O fim da encruzilhada de Santiago é a mais conhecido no subúrbio. Quando as pessoas terminam de contar a história, nas esquinas, nos botecos e salões de beleza, os comentários ácidos são dirigidos ao principal personagem da história que passa distraído perambulando pela rua. Sem rumo e interligado por tantos outros iguais a ele no Brasil todo.
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