‘O último cine drive-in’ é uma homenagem aos vínculos criados pelas telonas

Victor Hugo (vitorinu)
o vitorinu
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3 min readDec 9, 2020

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Hoje em dia, por causa da pandemia da Covid-19, exibições de filmes no formato drive-in voltaram com tudo. Ele foi adequado ao que o cine pipoca pede. Grandes telões, estruturas e efeitos especiais. Mas será que as relações de afeto são preservadas nesse modelo faraônico? É isso que ‘O último cine drive-in’, de Iberê Carvalho, lançado em 2015, tenta relembrar. Como os vínculos criados através do cinema conseguem prevalecer a doença e uma relação familiar desgastada por mágoas do passado. Para isso não precisa de pompa, só de um bom filme.

Marlon Brando, isso mesmo, personagem interpretado por Breno Nina, precisa se refugiar em um drive-in empoeirado gerenciado pelo pai, Almeida(Othon Bastos), em Brasília, depois de internar sua mãe em um hospital da cidade. Desde a primeira cena, o drama de Marlon faz conexões com várias figuras conhecidas do cinema. A do lobo solitário, do cavaleiro injustiçado, do bom filho à casa torna. Porém, a volta ao passado não é lá muito esperada pelo pai e filho. Quando estão juntos existe um sentimento de conflito atenuado por closes mais fechados que lembram filmes de faroeste. Quem será o primeiro a puxar o gatilho? Quem será o primeiro a lembrar dos motivos que os levaram a essa relação espinhosa?

Outros funcionários do Drive-In, Zé e Paula, parecem tão desbotados quanto o lugar. São personagens que resistiram à ação do tempo, mas ao olhar para fora do local de trabalho, parece que a sociedade estagnou. A corrupção na política noticiada na tela da TV, corredores de hospitais abarrotados de gente e empresários/políticos arrumando aos espaços culturais novas funções que não atendem ao povo e muito menos à cultura local. Esse último item chega ao Drive-In com uma ordem de demolição.

É difícil competir com as grandes salas de cinema, com muitos lugares, ar-condicionado e som amplificado. Uma disputa desleal entre o digital e o analógico. No antigo drive-in, existe uma fotografia sempre saturada e desbotada, como se lembrasse um filme pós-apocalíptico. Nas salas de cinema do amigo de Almeida, o clima é estéril e com luzes artificiais bem iluminadas.

É um clima de resistência. A locação do longa incrementa a metalinguagem do filme. É realmente um cine drive-in, o mais antigo da América Latina, localizado em Brasília. Os planos abertos expõem a arquitetura de Oscar Niemeyer e ajudam a engrandecer a trama como se os personagens precisassem desbravar o mundo real fora dos portões do cinema. Encontrar uma realidade menos apegada a memória e mais insensível.

O longa não só remete a drama e a um clima nostálgico. Ele consegue render bons momentos de comédia. A cena final, com a fuga de um hospital público para o drive-in, injeta ânimo em um público menos acostumado com uma trama mais parada e silenciosa apresentada em uma hora e quarenta minutos de duração. Não só agita, como também sensibiliza e relembra como é estar reunido com um grande público, em um mesmo lugar, mas com tantas diferenças. A única coisa que une a todos é o escuro e a expectativa de assistir um bom filme.

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Victor Hugo (vitorinu)
o vitorinu

Jornalista, apaixonado por livros e desbravador de sebos do Rio de Janeiro.