Um de nós está mentindo | de Karen M. McManus

Victor Hugo (vitorinu)
o vitorinu
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5 min readFeb 18, 2022

A patricinha, o atleta, a nerd, o delinquente e o menino solitário estão de castigo em uma escola nos Estados Unidos. Na sala, um professor mal humorado não tem paciência para gracinhas. Naquela tarde esse grupinho precisa lidar com o tédio e a identificação que surge entre eles: ‘Uau, somos tãoooo jovens e vivemos em mundos tãoooo distintos, mas temos problemas tãooooo parecidos’.

Você já viu esse filme antes, né? E espero que você tenha lido o primeiro parágrafo com uma voz de locutor da sessão da tarde na cabeça. Enfim… ‘Se um de nós está mentindo’, de Karen M. McManus, fosse adaptado, não seria transmitido à tarde. Passaria em uma sessão de sábado à noite quando histórias de suspense tomam conta da tela da TV. (A adaptação do livro estreia hoje na Netflix como uma série de oito episódios).

Mas do que o livro se trata?

O livro reúne cinco jovens com personalidades distintas em uma sala de detenção. Porém, o que era apenas uma tarde de punição, se transforma em um martírio duradouro quando um deles, Simon Kelleher, morre na sala e coloca os outros na lista de suspeitos pela polícia. Tudo porque Simon criou um aplicativo que expõe as fofocas do Colégio Bayview e os colegas que o acompanhavam eram os próximos a terem seus segredos revelados.

Então, o remake de o ‘Clube dos Cinco’ vira o ‘Clube dos quatro assassinos de Bayview’ composto por Addy, a patricinha carente; Cooper, o atleta modelo; Bronwyn, a nerd intrometida; e por fim, Nate, o bonito garoto problema. A história é clichê, mas é um clichê que prende a atenção a cada capítulo ao apresentar o ponto de vista dos quatro jovens.

Pôster da série ‘Um de nós está mentindo’ (Netflix/Peacock)

Outro destaque é a abordagem de temas importantes, como o ressentimento tóxico em fóruns on-line, o cancelamento apoiado pelas redes sociais e o bullying na escola. O nome do livro sugere que um deles pode ser o assassino de Simon e isso desperta desconfianças durante a leitura. Porém, a história também fala sobre como as mentiras impedem que eles cresçam e encarem seus medos.

Todos estão mentindo

A evolução do grupo de jovens se concentra em Addy e Cooper. Do outro lado, estão Nate e Bronwyn que engatam um romance chato que consiste no clichê ‘menina perfeita se apaixona violentamente pelo bad boy’. Eles como casal dão preguiça e sinto que a escritora desperdiçou o potencial desses personagens que se jogam em longas conversas bobas pelo telefone.

Já Addy é uma menina totalmente passiva que se sujeita às excentricidades da mãe e ao controle do namorado abusivo. Ela ama Jake, mas transou com o melhor amigo dele. Esse segredo carrega uma duplicidade: A traição veio de sua falta de autoestima e carência ou pela vontade de se libertar desse sentimento possessivo do namorado?

A partir desse questionamento, Addy é a personagem que mais se destaca entre os demais e tem uma jornada de autoconhecimento deliciosa de se ler. A patricinha se mostra mais corajosa e autêntica do que todos do grupo. Inclusive, Nate, que se posiciona como um ‘cara fodão’, mas que é engolido pela narrativa no final da história.

Cooper é outro personagem que se sobressai pelos seus conflitos internos envolvendo a pressão de ser uma atleta de alto nível, sua sexualidade e a relação com o pai. O personagem tem um grande coração e é um dos que mais sofrem pela perseguição midiática, as fofocas dos colegas da escola e por ter seu segredo revelado.

Quando estão juntos os personagens tem uma boa química. Uma pena que a escritora precisou respeitar a coerência da história. Por serem investigados em um caso de homicídio, seus advogados aconselham que não se aproximem muito. As passagens deles juntos são potentes e mostram a irregularidade da história em deixar personagens apagados em detrimento de outros.

Cena da série ‘Um de nós está mentindo’ (Netflix/Peacock)

Nate é o que mais sofre com isso. Parece que Karen não sabia mais o que inventar para ele e no final, ele, literalmente, some da história e volta como outra pessoa. A história força Nate e Bronwyn como um casal protagonista e interessante. Mas eles não são.

Na verdade, Simon é o real protagonista da história porque é uma figura odiada por muitos na escola. Ele é um retrato de um jovem incel que vive em um ressentimento perpétuo. É como se as pessoas fossem responsáveis pela sua falta de popularidade e por todo fracasso da sua vida. Para estar inserido socialmente e se vingar de quem o esnoba, Simon escreve histórias cabeludas de seus amigos que na maioria das vezes se mostram verdadeiras com o tempo.

As consequências das suas fofocas são citadas na história e causam revolta. Quem lê entra em conflito: Simon era uma vítima de bullying ou um vilão amargo responsável por danos psíquicos aos seus colegas? E por ser a persona non grata quem não teria motivos para o matar? Isso aumenta a lista de suspeitos e a vontade de chegar até o final para descobrir quem foi o responsável pela sua morte.

Referências por todos os lados

‘Um de nós está mentindo’ tem um final satisfatório, mas um tanto apressado e com uma fácil resolução. Fiquei dividido: “Espera! Esses garotos sofreram o pão que o diabo amassou e tudo se resolve desse jeito? Dava para economizar mais tempo”. Sei que disse que era um clichê bem escrito, mas admito que sou suspeito em falar.

A história bebe de referências que me tocam de uma forma especial. Filmes de suspense teen, como Pânico e Eu sei que vocês fizeram no verão passado, séries de mistério com adolescentes fazendo merda a rodo, como Pretty Little Liars e Gossip Girl, e, claro, como citei no início, o filme ‘Clube dos Cinco’. Acredito que para quem cresceu consumindo esse tipo de história será um bom livro para passar um tempo.

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Victor Hugo (vitorinu)
o vitorinu

Jornalista, apaixonado por livros e desbravador de sebos do Rio de Janeiro.