Dádira

De todos os sons que ela não fazia

Daniel Braz
Literatura Brasileira

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A Dádira sussurrava. Ela tinha um problema estranho com os próprios sons e a coisa que menos suportava era se sentir falando alto. Tirava a mesa e colocava os pratos um a um dentro da pia, com um pano no fundo da cuba para não fazer barulho. Não brindava. Não batia com os talheres na louça e não gargalhava. Nunca.

A gente se conheceu — que clichê! — numa biblioteca. Não, minto, nos conhecemos numa livraria. Eu estava procurando qualquer coisa e ela estava segurando um livrão grande com o título “Execute o Kama Sutra — Edição Ilustrada” parada na fila.

Falei qualquer coisa, quase não ouvi sua resposta, mas não sei exatamente como aconteceu, naquele mesmo dia nós saímos para jantar. Fomos a um italiano silencioso e reservado e lá eu descobri que ela estudava psicologia, gostava de peixes, tinha morado na Indonésia e na Tailândia e agora estava em férias do trabalho. Ela aplicava reiki.

A gente ficou saindo uns dois meses. Ela gostava que eu passasse as noites na casa dela, acho que se sentia mais confortável com os sons de lá. Uma vez fomos a uma festa de uma amiga dela. Bebemos horrores porque todos eram chatíssimos e nós nos sentíamos muito mais bacanas um com o outro do que conversando com estranhos. Fomos, dessa vez, para a minha casa, e ela me disse que queria tentar uma posição to tal guia ilustrado de Kama Sutra.

Na descrição havia algo dizendo “proporciona intenso prazer para a mulher” e isso nos animou ainda mais. Sexo com a Dádira sempre foi uma coisa silenciosa, e meu termômetro era sua respiração e os espasmos que tinha. Gemidos, nenhum. Mas nesse dia ela tinha bebido bastante, estava muito animada e a posição mágica do livro estava fazendo efeito. De repente, daquela garganda imaculáda saiu um grito tão agudo, longo e alto que eu dei um pulo de susto. Era quase como o grito daquelas pessoas que se jogam dos prédios nos filmes, sabe? Coisa linda de se ouvir!

Depois que terminou de tremer, gemer e gargalhar, ela me olhou assustada, começou a chorar, se vestiu e foi embora desesperada, como se uma coisa muito grave estivesse acontecendo e só ela pudesse impedir. Uns quinze minutos depois o celular tocou. Era uma mensagem dela terminando comigo. A Dádira nunca mais apareceu aqui…

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Daniel Braz
Literatura Brasileira

Escrevo sobre gentes. Um dia escrevo algo sobre você.