Nikkita

Daniel Braz
Literatura Brasileira
2 min readApr 30, 2014

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Ela sempre dizia “me chama de Nikki, caralho!” e eu ria horrores porque era a garota mais boca suja que eu conhecia. A gente falava muito palavrão. Eu dirigindo e ela contando histórias de festas e pessoas, falando de meninas “piranhuda frenética”, rapazes “pipi de amendoim”, senhoras “filhasdasputa doscarái” e muitas outras expressões que só ela usava. Era ótimo quando ela estava de bom humor.

Acontece que nem sempre era assim. Tinha dias que a Nikkita queria morrer. Uma vez subiu no telhado do prédio, lá depois da caixa d’água, acima do vigésimo, abriu os braços e quando pendeu o corpo pra frente foi laçada pelo braço do zelador. Outra vez lotou a banheira de água gelada, era inverno, tomou muitos comprimidos para dormir e imaginou que o corpo pararia gradualmente, mas tinha tanta água que transbordou, saiu pela porta do banheiro e a mãe chegou a tempo de salvá-la. Ela tinha essa sorte estranha de permanecer viva em qualquer situação.

Dia desses a gente estava num bar com uns amigos, falando besteiras, quando uma briga começou na mesa ao lado. Um cara arremessou uma faca no outro, mas errou e acertou no meio do copo da Nikki, que explodiu em mil pedaços de vidro. Ela tinha acabado de colocar na mesa e a coisa toda explodiu: muita sorte. Mas ela não queria ter essa sorte. Quando estava de bom humor não lembrava de nada, mas nos dias de recaídas depressivas ela se incomodava em saber que já tinha tido muita chance de morrer, mas não teve sucesso em nenhuma.

A Nikki não era assim antes. Teve uma vez que ela se apaixonou pela minha irmã e a coisa ficou meio sem controle depois disso. Isso foi uns 4 anos atrás. Ela tinha, na época, uns 20 anos, mas não aceitou muito bem a possibilidade de não ficar com a Beca (apelido da Rebeca), minha irmã menor. Meu pai ficou puto, minha mãe até hoje não gosta que eu ande com a Nikki por causa disso. Eu não falei muita coisa quando aconteceu, nunca fui muito de saber falar do amor dos outros, mas meus pais tinham lá seus motivos. É que a Beca tinha só 6 anos, né…

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Daniel Braz
Literatura Brasileira

Escrevo sobre gentes. Um dia escrevo algo sobre você.