O Operador

Uma divagação energética

Guilherme Oliveira
Literatura Brasileira

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Hoje, graças à experiência (leia-se vergonha na cara e internet), eu já me informei melhor e sei que não é verdade, mas sempre que ouvia falar no Operador Nacional do Sistema Elétrico imaginava que ele fosse uma pessoa. Um funcionário público, mesmo.

Imaginava que houvesse, uma vez a cada geração, um concurso para Operador Nacional do Sistema Elétrico. Uma vaga, sem cadastro de reserva. A maior concorrência do país. Salas de cursinho abarrotadas. Promoções imperdíveis da Vestcon. E um aprovado muito respeitável, que imediatamente saltava para um dos postos de maior prestígio da administração pública brasileira.

Porque é claro que o Operador teria que ser uma autoridade importante. Um cargo de tanta responsabilidade, dado a um só indivíduo, certamente exigiria enorme competência e rigor no exercício das funções. Sem falar no salário, que com certeza deveria estar emparelhado com o de ministros do Supremo.

Aliás, com tanta pompa cercando esse emprego, eu me perguntava porque a gente nunca via o rosto desse sujeito, nem sabia seu nome. Explicação simples, eu mesmo respondia: questões de segurança. O Operador é tão importante para o funcionamento do país que é tido como um patrimônio nacional a ser protegido, blindado.

A imprensa não chega perto, apenas recebe notícias de fontes autorizadas e as repassa ao público. “O Operador Nacional do Sistema Elétrico se reuniu hoje com não-sei-quem para discutir o baixo nível de água nos reservatórios das usinas hidrelétricas…”. Em alguma base militar sigilosa, aposto, onde até a presidente precisa chegar vendada.

O Operador mora em uma área de segurança do Exército, que ninguém sabe ao certo onde fica e que conta com proteção tecnológica contra satélites. Provavelmente no coração da Amazônia. Ele é transferido para lá assim que passa nos exames médicos exigidos pelo concurso. Vai sozinho, precisa abandonar familiares e amigos próximos. Estes, claro, também têm que ser removidos e constantemente vigiados para que não revelem segredos importantes do Operador, tais como seus hábitos matinais, sua marca favorita de leite ou seu apelido de infância.

A casa do Operador, toda paga e equipada pelo governo, é grande, e fica dentro de um terreno maior ainda, com mais hectares do que muitas fazendas de soja. Ele tem muitos empregados à disposição, mas não pode se encontrar cara-a-cara com nenhum. Nem seu motorista está autorizado a estabelecer contato. Ele encaixa a metade traseira do carro numa entrada de tamanho exato na garagem, e a parede bloqueia sua visão de quem está embarcando no banco de trás. Um vidro escurecido e à prova de balas separa os dois durante as viagens. O rádio está sempre no último volume, desencorajando a conversa fiada sobre o clima. Sobre o qual o Operador não poderia mesmo revelar nada, pois é tudo segredo de Estado.

O Operador acorda todo dia às cinco horas, graças a um despertador sincronizado com um relógio atômico. Sua primeira atividade do dia é checar o funcionamento de todas as estações e subestações do país — tarefa que ele cumpre do conforto da própria cama, auxiliado por projeções holográficas de pós-última geração e um computador doméstico que fala com ele. O computador tem a voz digitalmente recriada da Débora Falabella, por algum motivo. Ela já tentou buscar uma compensação por uso de imagem, mas foi desencorajada por uma série de cartas anônimas de aparência oficial.

Depois de tomar um café da manhã leve, o Operador parte para o trabalho. No carro, ele aproveita para trocar informações com autoridades do mesmo setor, como o ministro de Minas e Energia, o presidente da Eletrobras e possivelmente, dada sua incrível capacidade de networking, Thor, o deus do trovão. Se estiver tudo em ordem, ele orienta ao motorista, através de mensagem instantânea pelo computador de bordo (Flávia Alessandra), que toque para o escritório.

Em caso de problemas que exijam sua imediata atenção, o Operador desvia seu percurso para um aeródromo localizado na propriedade. De lá ele toma um pequeno helicóptero, pilotado por ele mesmo, para onde quer que precise estar no momento. Abastecida com combustíveis ainda não liberados para a população em geral, a lépida aeronave do Operador chega rapidamente a qualquer confim do Brasil. Sua mera presença é suficiente para rechaçar crises e inspirar equipes de trabalho, e ele raramente permanece por muito tempo nos lugares aonde vai.

Em seu escritório particular, o Operador tem o destino do país nas pontas dos dedos. Entra no prédio, que poucos sabem qual é, por uma porta privativa, pega um elevador privativo, atravessa um corredor privativo, apanha uma xícara privativa de espresso e entra em uma sala abarrotada de tecnologias que são guardadas a sete chaves para seu uso exclusivo.

Durante as horas seguintes, o Operador controla e supervisiona fluxos de energia, funcionamento de subestações, taxas de fornecimento regionais e eficiência de linhas de transmissão. Aqui e ali emite uma ordem para alguma central distante, determinando a instalação de alguns quilômetros de cabos adicionais, orquestrando a ativação e desligamento coordenados de geradores ou coordenando roteamentos de força.

Das muitas linhas de telefone instaladas no escritório do Operador, uma delas tem comunicação direta e exclusiva com uma linha-irmã no Palácio do Planalto. O Operador mais recebe do que faz ligações através dela: a presidente e seus assessores estão sempre atrás de uma palavra tranquilizadora a respeito da situação energética do país. Gostam de saber que alguém no governo está a par do que acontece, mesmo que não sejam eles. Suspeita-se que, nessas ocasiões, o Operador seja consultado até mesmo a respeito de uma ou outra nomeação para o alto escalão do Executivo. Rumores dão conta de que o PMDB só permanece no governo porque o Operador aprova a aliança.

O Operador retira-se do escritório ao cair da noite, deixando sobre a mesa bilhetes com últimas orientações a serem transmitidas para todo o sistema elétrico nacional por estafetas que só estão autorizados a entrar no cômodo após determinada hora. Deixa também a tradicional instrução, sempre igual, a respeito do que fazer em caso de catástrofe, que consiste apenas em uma sequência de algarismos: seu número de celular. É, de fato, a única solução possível caso o Brasil entre em curto-circuito.

O Operador chega em casa a tempo de assistir aos principais noticiários e trocar as últimas palavras do dia com a presidente, que não conseguiria dormir sem um boa-noite-e-bons-sonhos de seu anjo da guarda energético. Após um momento para descansar a mente com leituras pessoais, o Operador vai para a cama, ciente de mais um dia de dever cumprido. Deixa um abajur simbolicamente ligado sobre o criado-mudo. O Brasil ainda prefere dormir de luz acesa.

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