Sobre ser mulher

E como perder um amigo.

Gilstéfany
Literatura Brasileira

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Meu amigo disse ontem que eu tinha que ser “mais mulher”. Quase ri da cara dele, mas pelo seu bem e por essas coisas que a gente faz pra manter a amizade, só perguntei por que. De acordo com o sujeito, eu era bruta demais. “Mas que porra é ser bruta demais?”, eu perguntei. “É disso que eu estou falando”, ele objetou. Pedi na maior delicadeza para sentar-se, ficar à vontade e me contar essa história direito. Acontece que, ao que tudo indica, eu tenho a incontestável proeza de afastar as pessoas de mim.

— Ah, então você duvida? O Marco foi conversar comigo ontem e me perguntou se você tinha algum problema.
— Então aquele filho d… — Nem me deixou terminar e foi acrescentando.
— Olha aí!
— Mas o quê que um cara daquele quer comigo?
— Tem cara que gosta de desafio, acho que faz parte do instinto masculino, não sei.
— Hm. Se você que é homem não sabe… — E dei uma risada de canto sacana, mesmo sem querer.
— Nem sei por que ainda falo contigo.
— Eu também não. — Houve silêncio de alguns segundos. De um suspiro continuou.
— Enfim… Não estou dizendo que você precisa adular todo mundo, mas também não precisa tratar as pessoas desse jeito.
— Que jeito? — Estava muito a fim de me fazer de besta, porque queria inferir tudo o que pudesse daquele assunto.

Pelo o que entendi, minha presença faz com que as pessoas sintam-se hostilizadas e com um intelecto inferior. Achei um absurdo aquela história. Ora, se o indivíduo não quer por à prova seu conhecimento, então que não procure porfiar. Até por que não faço muita questão do convívio social. Dá-me preguiça essa gente que se esforça em demonstrar que é feliz e que viva-a-positividade por que tenho uma vida bacana.

Já que ele havia colocado fogo na lenha, perguntei o que eu, então, deveria fazer em jus ao gênero. A nota mental que tirei disso foi basicamente: Cabelo cacheado pode sim, mas põe um batom nessa boca aí. Usar salto alto vez ou outra não mata nenhuma mulher e fica bonito. Adapte-se à ocasião ou faça a ocasião adaptar-se a você. Ninguém gosta de ser corrigido. Sorria. Não caia no ostracismo. Interaja.

Tomando posse de minha livre e espontânea propriedade em opinar, eu disse que não tinha a obrigação de manifestar felicidade e que não estava lá muito interessada em fingir ser alguma coisa que não era. Meu amigo, ah, amigo. O que ele fez? Revidou dizendo que não era assim que a vida funcionava. Eu disse então que a vida dele devia funcionar muito bem, porque sabia ser mais mulher do que eu. Bem… Nós não nos falamos há um bom tempo.

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