Traja

Bota um cigarro nessa boca e vai!

Daniel Braz
Literatura Brasileira

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“Bota um cigarro nessa boca e vai!” era o que eu falava sempre pra ela. Que menina cagona, meu deus! A Traja morava no mesmo apartamento que eu, mas eu cheguei depois. Éramos quatro pessoas. Eu, Traja, Maria e Eduardo. Maria e Eduardo eram um casal introspectivo que não gostava de ninguém, não falava com ninguém, mas não atrasava o aluguel. Eles moravam no quarto maior. Os outros dois quartos eram habitados por mim e ela, que se borrava de medo toda vez que tinha um encontro com alguém.

A gente sempre fica meio inseguro quando vai sair com alguém que nos parece um bom partido, mas a Traja era um absurdo. Ficava paquerando os caras de tudo quanto é lugar. Era descarada, abusada mesmo. Mandava beijinho para os caras da faculdade, entregava o telefone para qualquer cara que viesse tentar alguma coisa na rua, sorria para as mesas de homens na hora do almoço e não deixava passar nenhuma cantada bem elaborada. Adorava se sentir desejada pelos outros…

Só que quando dava certo, quando o telefone tocava, quando o rapaz aparecia aqui na porta do prédio ou mandava algum presente ela se borrava toda. Ficava pensando se era um maníaco, depois um estuprador, depois um sequestrador, depois um bandido e demorava para sair desse estágio. Quando finalmente concordava que talvez fosse um cara legal as preocupações mudavam para si mesma. “Será que ele vai gostar de mim?”, “será que ele reparou direito na minha cara naquele dia?”, “será que ele vai me achar zuada?” e eu ria. Ria muito!

Eu sou homem, sei bem o que se passa na cabeça de um sujeito e nada do que ela pensava fazia muita relação com a realidade. Então ela bebia para passar o nervosismo. Dizia “vai, me arranja um goró forte pra eu sair gatinha!” e eu preparava misturas absurdas para mim e para ela. Eu já tinha uns 29 na época, enquanto ela devia ter no máximo 19! Bebia, botava música, dançava igual uma retardada, a gente caía na risada e ela ia se arrumar para o encontro.

Saía do banheiro com o cabelo seco e liso, o rosto maquiado com cara de gato escondido no escuro, o abdome sempre de fora, umas saias apertadíssimas e uns sapatos que a deixavam uns 15 cm mais alta. Me olhava e perguntava “to linda?” e eu sempre dizia que sim. Passava dois minutos e ela não conseguia mais controlar a ansiedade, enquanto eu fumava na janela do quarto dela, respirando aquela insegurança juvenil que todos nós já vivemos um dia. Tocava o interfone, ela atendia e depois vinha para mim: “Tô me cagando toda, o que eu faço?” e eu respondia sorrindo sacana: “Bota um cigarro nessa boca e vai!”

Ela sempre se divertia horrores!

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Daniel Braz
Literatura Brasileira

Escrevo sobre gentes. Um dia escrevo algo sobre você.