O buraco de bala

Minhas prevenções não são mais eficazes, nem mais sensatas, que uma faca de serrinha sem ponta. É Deus quem está cuidando de mim.

André Venâncio
Literatura e Redenção
13 min readFeb 25, 2019

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Ilustração de Pedro dos Anjos

Este conto é parte de um projeto de escrita colaborativa de alguns dos autores do L&R. A ideia é termos diversas historietas que se passam em épocas diferentes e em cômodos diversos de uma mesma casa. A história de hoje se passa no quarto de visitas.

Comecei a ouvir a voz das duas senhoras antes que entrassem no quarto. Falavam alto, discutindo entre si, impacientes. O eco reverberava pela casa vazia, dificultando o entendimento. Foi só quando uma delas abriu a porta que pude discernir o que diziam.

— É essa, sem dúvida alguma — confirmava minha mãe, que vinha na frente.

— Não é, de jeito nenhum — negava com igual firmeza minha tia, quase ao mesmo tempo, entrando em seguida.

As duas olharam para mim com uma ponta de surpresa e, por um momento, esqueceram a calorosa discussão. Minha mãe tomou a palavra:

— Ah, você está aí, minha filha. O que está achando da casa?

— Até agora, nenhum problema — respondi, depois de um espirro, resquício do resfriado dos últimos dias. Devia ser pelo frio que tem feito aqui em São José, ao qual não estou acostumada, pois passei toda a minha vida na parte mais quente do estado. E perguntei:

— O que estão discutindo?

Não me lembro de nenhuma ocasião em que essas duas tenham discordado sobre questões de alguma importância. O amor que têm uma pela outra e seu grau de afinidade em termos de valores e cosmovisão chegam a ser impressionantes. Mas não passam meia hora juntas sem discutir encarniçadamente pelas bobagens mais triviais. Eu achava isso assustador quando era criança e irritante quando adolescente. Hoje acho apenas engraçado; ainda bem, porque o hábito só tem se intensificado na medida em que elas envelhecem. Acho, portanto, que foi apenas para me divertir um pouco que fiz a pergunta. Suas brigas nunca produziram uma fagulha sequer de ressentimento ou grosseria; para elas, hoje compreendo, é uma espécie de brincadeira, quase um esporte inconsciente. Nesse sentido elas são, como costumam dizer, “arengueiras” fajutas. Aliás, aprendi com elas mesmas essa palavra estranha ao vocabulário paulista. Embora estejam aqui desde a infância, e por isso tenham perdido o sotaque potiguar, ainda usam muitos termos e expressões que aprenderam por lá.

— Já estivemos nessa casa antes, há muito tempo — explicou minha mãe.

Fiquei chocada com a informação. Mas minha tia retrucou com rapidez:

— Estivemos, não! Eu me lembro muito bem daquela casa, da fachada, da disposição dos cômodos. Está tudo diferente.

— Mulher, isso foi há mais de quarenta anos. É claro que está tudo diferente. A casa deve ter sido reformada várias vezes.

— Que conversa é essa! — Retrucou a tia com desprezo, olhando pela janela. — Olhe essa vista! Totalmente diferente também.

Mas minha mãe estava examinando com atenção a parede oposta à janela, parecendo procurar algo. Achou e, com um pequeno grito de empolgação, apontou para o canto inferior direito da parede:

— Eu não disse? Olhe aqui! O buraco de bala ainda está aqui!

Minha tia sobressaltou-se. Atravessou o quarto em uma fração de segundo. Abaixou-se para olhar o canto. Examinou-o. Tirou os óculos. Voltou a colocá-los. Parecia perplexa. Endireitou-se. Olhou em volta. Pensou um pouco. Eu e minha mãe aguardávamos seu veredito em silêncio inquieto. Depois de alguns segundos, seu rosto se iluminou, e ela exclamou:

— Tem razão! É essa!

Então as duas, visivelmente empolgadas, começaram a dar gritos de satisfação e a falar ao mesmo tempo. Na verdade, as duas mulheres de meia-idade pareciam ter voltado a ser crianças por alguns momentos. Eu entendia cada vez menos o que estava acontecendo, e minha reação foi de assombro, por vários motivos acumulados. Primeiro, por haver um buraco de bala naquela casa. Segundo, por elas acharem isso empolgante. Terceiro, porque, em suas discussões sobre qualquer tema, era muito raro que uma das duas conseguisse convencer a outra do que quer que fosse. E, por último, era absolutamente sem precedentes que a errada ficasse feliz por se descobrir como tal. Tudo isso me passou pela cabeça enquanto eu me abaixava para examinar o buraco que causara toda a comoção. Olhei-o por dois ou três segundos e logo encontrei um quinto motivo para ficar intrigada:

— Mas isso não é um buraco de bala!

Minha tia retrucou de imediato:

— Ora, o que você entende de buracos de bala?

“E o que é que ela entende desse assunto?”, pensei. Mas não tive tempo de dizê-lo, pois no mesmo instante as duas irromperam em sonoras gargalhadas. Na verdade, riram de modo tão desproporcional que percebi que não estavam rindo de mim, nem da minha ignorância em matéria de balística, e sim de alguma outra coisa, alguma história que eu desconhecia. Sem poder, no entanto, rir junto com elas, esperei pacientemente que as risadas diminuíssem. Sabia que chegara o momento de um “senta que lá vem história”, exceto pelo fato de que o quarto estava tão vazio quanto o resto da casa, de modo que não havia onde se sentar. Elas riram ainda por algum tempo, mas enfim se acalmaram, e minha mãe começou a falar.

— Foi logo que chegamos a São Paulo, filha. Você sabe que nosso pai veio na frente para arrumar trabalho. Quando conseguiu, mandou dinheiro para que fôssemos até ele. Mas nossa mãe nos levou primeiro até o Rio, onde passamos alguns dias com uma prima dela. De lá viríamos para cá. Mas no dia da viagem, por algum motivo que não me lembro, ela se atrasou.

— Foi porque o marido da prima morreu naquele mesmo dia — atalhou minha tia, que costumava ter melhor memória. — Mainha ficou para prestar auxílio, mas não queria que ficássemos mais tempo lá. Porém, por não conhecer ninguém em São Paulo, nos mandou para cá, onde devíamos ficar dois dias na casa de uns amigos do nosso pai até que ele viesse nos buscar.

— E vocês duas viajaram sozinhas do Rio para cá? — indaguei, preocupada.

— Claro que não, mulher! Seu tio estava conosco.

Fiz as contas rapidamente. Sei que minha mãe tinha seis anos quando a família veio para São Paulo. Portanto, minha tia tinha oito e meu tio tinha… doze. Saber que ele estava junto não me trouxe muito alívio, mas era melhor que nada. Então deduzi:

— E os amigos do meu vô moravam aqui? — perguntei, com mais um espirro.

— Não, querida — explicou minha tia — , por alguma razão que nunca soubemos esse casal não pôde nos receber. Na verdade, não chegamos a conhecê-los. Tiveram algum problema e, quando chegamos na estação de trem, quem nos recebeu foi um amigo desse casal, um homem que não conhecíamos. Era ele o morador desta casa, e nos trouxe para cá.

— Credo! — Exclamei — Quantos riscos vocês correram! Podia ser um bandido, um psicopata.

— Naquela época essas coisas eram bem mais raras — respondeu minha mãe, despreocupada. — Mas o fato é que aquela noite acabou mesmo se revelando uma das mais apavorantes de nossas vidas.

Eu já estava mais que curiosa e me perguntando por que nunca ouvira essa história antes.

— Era um homem de meia-idade, que nos tratou de modo polido, mas era bastante sisudo e não parecia gostar de falar — contou minha tia. — Não nos maltratou nem nada, mas ficamos com uma péssima impressão dele.

— Parecia profundamente irritado por ter de receber três pequenos hóspedes imprevistos em casa — complementou minha mãe. — Parecia que não gostava de crianças, o que era um péssimo sinal.

— Ele não carregou nossas malas. Conduziu-nos até este quarto, onde havia uma cama de casal ali, uma de solteiro aqui e um guarda-roupa daquele lado, pequeno, mas muito bonito. Mas quando ele abriu a porta do quarto havia alguém dentro. Um homem jovem estava trabalhando bem neste canto — falou, apontando para o canto onde havia o buraco.

— Trabalhando? Fazendo o quê?

— Estava limpando o chão, aplicando um produto, um líquido de cheiro forte, que empesteava tudo. “Falta muito?”, perguntou-lhe o dono da casa. “Ainda não saiu tudo”, disse o jovem. “Termine depois”, respondeu o primeiro; e em quinze segundos o último havia juntado as coisas e dado o fora sem nem olhar para nós. O dono da casa nos dirigiu a palavra sem olhar para nós: “Daqui a duas horas virei chamar vocês para jantar. Coloquem suas coisas ali. E tomem banho.” Fechou a porta e foi embora.

Minha mãe continuou a narrativa:

— Estava começando a anoitecer. Acendemos a luz. O que vi primeiro foi que no chão, no canto em que o rapaz estava limpando, havia uma mancha irregular, meio apagada, mas bem visível, mais ou menos deste tamanho. — E indicou com as mãos algo um pouco menor que um prato. — Era o que ele estava tentando tirar, certamente. Não dei muita importância, mas seu tio, sempre muito curioso, gastou alguns minutos examinando o quarto todinho, e acabou chegando a essa mancha. Passou mais um tempo naquele canto, ponderando enquanto nós duas desfazíamos a mala. Até que ele veio em nossa direção sussurrando a coisa mais assustadora que já tínhamos ouvido: “Mataram alguém aqui!”

Eu vi na face das duas o quanto elas haviam ficado assustadas. Até eu, depois de quarenta anos, fiquei um pouco, ao visualizar a cena em seu contexto. Perguntei o que haviam respondido. Minha tia retomou a palavra:

— Respondemos a única coisa que havia a ser dita: “É o quê, hómi?!” Não acreditamos nele, mas mesmo assim ficamos apavoradas. Estávamos sozinhos, em terra estranha e longe dos pais, hospedados por desconhecidos em uma casa onde um crime havia sido cometido? Eu quis afastar a ideia e perguntei por que seu tio achava isso. Ele então começou a expor sua teoria:

“Isso no chão é uma mancha de sangue. O rapaz estava tentando eliminar as provas. Li que os assassinos profissionais usam um produto químico de cheiro forte para limpar vestígios de sangue. Isso significa que o rapaz é um assassino profissional. Nós vimos que ele recebe ordens do dono da casa. Portanto, devemos estar na casa de um mafioso. Aliás, vocês repararam que o sobrenome dele é italiano? Nos livros e filmes os mafiosos sempre são italianos.”

Não pude deixar de sorrir ao ouvir esse argumento, mas o sorriso foi logo interrompido por mais um espirro. Enquanto isso, minha tia prosseguiu com o relato de meu tio:

“E vejam: este buraco na parede, aqui perto da mancha, é o buraco da bala que usaram para matar a vítima. Ela atravessou o corpo da pessoa e bateu aqui. Ou então deram dois tiros, mas só acertaram um.”

— Foi então que olhei mais atentamente para o buraco e, depois de examiná-lo, comentei com certa incredulidade: “Mas isso não é um buraco de bala!” Ao que ele respondeu, com o maior desdém: “Ora, o que você entende de buracos de bala?”

As duas riram de novo, e desta vez eu pude rir junto com elas, até que minha mãe prosseguiu:

— Esse argumento nos calou, pois de fato não entendíamos nada de buracos de bala. Seu tio era quem vivia vendo filmes e lendo o que podia sobre crimes e histórias policiais. Além disso, era nosso irmão mais velho e o mais inteligente de nós. Ficamos convencidas. E apavoradas.

— Imagine nossa situação! — continuou minha tia — Achamos que era melhor não irritar o mafioso que nos hospedava. Terminamos de desfazer a mala o mais depressa que pudemos, colocamos tudo no guarda-roupa e tomamos banho. Daí até a hora do jantar transcorreu uma eternidade. Seu tio só fazia piorar nosso estado, contando as histórias de mafiosos italianos que conhecia. Acho que a intenção dele era nos preparar, dando informações que poderiam ser úteis. Mas o efeito não foi lá muito bom. Choramos na maior parte do tempo, mas em silêncio, para não chamar a atenção de ninguém.

— Vocês sabem melhor que eu que ele era muito brincalhão. Será que ele estava acreditando mesmo no que dizia? Ou estava só assustando vocês?

— Boa pergunta! — respondeu minha tia, suspirando. — Pena que nunca mais tocamos no assunto para perguntar. Aliás, é estranho nunca mais termos conversado sobre isso. De qualquer modo, jamais saberemos. Acho bem possível que fosse brincadeira dele. É o tipo de coisa que ele faria.

— Eu acho que pode até ter sido brincadeira no começo — opinou minha mãe.— Mas, se foi, ele deve ter acabado convencendo a si mesmo. O medo dele enquanto nos contava as histórias de mafioso não era fingido. E o mais engraçado você não sabe, minha filha: durante o jantar ele afanou uma faca e a trouxe para o quarto. Só vimos quando já estávamos prontos para dormir. Ele disse que era para nos proteger caso os mafiosos nos atacassem de noite. Dormiu com ela embaixo do travesseiro.

— É verdade! — Lembrou minha tia, caindo na gargalhada. — O menino de doze anos ia nos proteger dos mafiosos com uma faca de serrinha sem ponta!

Rimos todas, ainda que houvesse ali uma seriedade algo comovente. Meu tio já era aos doze anos um cavalheiro, um homem à moda antiga, como foi por toda a vida. Amava suas irmãs e, por elas, estava disposto a enfrentar mafiosos com uma faca de serrinha sem ponta. A imagem era hilária, até ridícula, mas como zombar disso? Era o que eu estava pensando, até dar um novo espirro, mais forte que os anteriores, daqueles que parecem sacudir o cérebro da gente. Então minha tia continuou:

— Jantamos apenas com o dono da casa, que quase não nos dirigiu a palavra. Um silêncio sepulcral. Depois, ele nos mandou lavar nossos pratos e talheres, o que fizemos com o máximo cuidado, ainda que nossas mãos tremessem. Deve ter sido nessa hora que seu tio escondeu a faca. Depois, voltamos para o quarto e passamos uma madrugada terrível, todos os três apavorados. Foi só no dia seguinte que as coisas começaram a melhorar.

— Como? — Perguntei, muito curiosa.

— Chegou logo cedo a dona da casa. Não sei onde tinha estado, mas o homem era casado. E a mulher, ao contrário dele, era simpaticíssima! Eu e sua mãe nos apaixonamos por ela em cinco minutos. Seu tio ficou mais arredio, não querendo dar muita confiança para mulher de mafioso, mas ao longo do dia acabou se rendendo. Os outros dois dias que passamos na casa, até seu avô chegar, foram tranquilos. Seu tio até devolveu discretamente a faca.

— Então concluiu que não eram mafiosos?

— Nós três concluímos isso — atalhou minha mãe. — E nós duas rimos do seu tio até ele ficar aperreado, o pobre! Seus argumentos foram caindo, um a um. Fomos conhecendo a vizinhança e descobrindo que tem muitos descendentes de italianos aqui. Seu tio mesmo foi percebendo que a casa não era grande nem luxuosa o suficiente para ser mansão de mafioso, e que faltavam aqueles seguranças de terno que costumam andar por toda parte. Ficamos sabendo também que o produto de cheiro forte era apenas um removedor de mofo, que nunca tínhamos visto. E por último descobrimos que o dono da casa era, na verdade, um pastor.

— Pastor?! — Exclamei, com espanto real atrelado a uma pitada de ironia. — Ora, mas isso impede que ele fosse também um mafioso? Tem muito bandido evangélico por aí.

— Hoje em dia, sim — retrucou minha tia — , mas pastor naquele tempo era uma figura muito respeitável, mesmo pra nós, que ainda não éramos crentes. Essa informação dissipou qualquer medo que tivesse sobrado.

— Chegamos a ir com eles à igreja — lembrou minha mãe. — Só nos convertemos mais tarde, mas acho que a breve convivência com aquela família, em especial com a dona da casa, teve algum papel nisso.

— Teve mesmo, mas não só com ela — observou minha tia. — Anos depois, seu vô nos contou que aquele pastor o recebeu de maneira muito amorosa, orou com ele e foi o primeiro a lhe falar sobre o evangelho. Ele podia não levar jeito com crianças, mas era um homem de Deus, e nos lembramos dele com gratidão até hoje.

Não sei quanto tempo ficamos em silêncio depois disso. Comecei a pensar no meu tio, que eu amo muito e que depois cresceu e se manteve fiel aos seus interesses de infância, tornando-se delegado de polícia. Sempre foi um homem de imaginação fértil e com alguma dificuldade de distingui-la da realidade. Sempre foi também um homem afável, carinhoso com suas irmãs e comigo, mas também firme no cumprimento de seus deveres. Destacou-se na profissão e foi também diácono na igreja, até morrer do coração, relativamente novo, no ano passado. Percebi que estávamos as três pensando nele quando minha tia disse em voz alta:

— Ele iria gostar de saber que voltamos aqui.

— Ele vai gostar, quando contarmos a ele, na outra vida — corrigiu minha mãe.

Ambas sorriram, e eu também; pela segunda vez na vida, vi minha tia gostar de ser corrigida. Voltei a mergulhar em meus pensamentos. Eu estava comovida com tudo o que acabara de descobrir. Estou em um momento sensível da vida. Muito feliz por ter acabado de me casar, mas aflita com a ideia de sair da minha cidade e deixar o convívio com a minha família, algo que ninguém esperava e que Deus aprontou de última hora, quando meu marido perdeu o emprego a poucas semanas do casamento e arrumou este, a sete horas de distância, para começar imediatamente. Tivemos até que encurtar a lua de mel. Então, enquanto ele trabalha, estamos aqui procurando casa para morar. Minha mãe e minha tia vieram junto para ajudar na escolha, mas também, sei disso, por perceberem o tamanho do desafio emocional que essa mudança representa para mim.

E o que Deus faz? Nos traz a uma velha casa onde minha mãe e meus tios passaram também por aflições, ainda que sem necessidade, pois não havia perigo algum. Um lugar que já pertenceu a uma família cristã e onde foi lançada a primeira semente da vida espiritual da minha família. Estou estupefata por Deus ter escolhido essa maneira para me lembrar da antiguidade de seu cuidado por mim. Agora está um pouco mais fácil acreditar que minhas prevenções não são mais eficazes, nem mais sensatas, que uma faca de serrinha sem ponta. É Deus quem está cuidando de mim.

Ainda preciso examinar os outros cômodos, mas talvez essa casa esteja destinada a, mais uma vez, trazer conforto e proteção para mim e para minha família, a ser testemunha de muitas bênçãos e vitórias ao longo dos anos, enquanto Deus quiser que moremos nela. A ideia me traz conforto; de certa forma, me sinto protegida aqui.

Tais pensamentos foram interrompidos por um novo espirro. E, com ele, alguma sinapse funcionou, meu cérebro juntou as pontas do mistério e tive uma percepção súbita e angustiante, a tal ponto que saí correndo para fora enquanto falava:

— Ai, meu Deus! Isso não é mais o resfriado! Era uma mancha de mofo! A casa está cheia de mofo! Minha rinite vai me matar! Ai, meu Deus, não posso morar aqui!

E ouvi indistintamente minha mãe e minha tia correndo atrás de mim, tentando me acalmar ao mesmo tempo em que tagarelavam entre si. Haviam encontrado um novo motivo para discutir.

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André Venâncio
Literatura e Redenção

“Quando ele se manifestar, seremos semelhantes a ele, porque haveremos de vê-lo como ele é. E a si mesmo se purifica todo o que nele tem esta esperança.”