O menino do nariz de apito

Leonardo Bruno Galdino
Literatura e Redenção
3 min readMar 5, 2020
“Boy playing the flute”, de Judith Leyster

Era uma vez um menino com uma habilidade para lá de incomum: assobiar pelo nariz. Seu nome era Alberto, até então conhecido como “Beto”, quando veio aquele fatídico dia e mudou tudo.

Aos seis anos Beto viajava com seus pais a caminho do sítio do avô quando, de repente, um caminhão entrou pela contramão. Seu pai ainda tentou desviar, mas debalde: o trambolho veio com tudo e amassou completamente o carro. Os pais de Beto e seu irmãozinho de dois anos morreram na hora. Apenas Beto sobreviveu. O velório de sua família foi a coisa mais triste do mundo, sobretudo porque ele ainda estava no hospital se recuperando das diversas cirurgias que precisou fazer. Não teve tempo de dar-lhes o último adeus.

Uma das cirurgias de Beto envolveu a sua face. A parte estética ficou impecável, a não ser por um pequeno detalhe: o assobio que o nariz do garoto passou a produzir toda vez que ele falava. Os médicos não conseguiram corrigir isso, e esperavam que, com os anos, o problema sumisse. Mas o tempo foi passando e esse trauma, em vez de sumir, foi ganhando ares cômicos, e Beto, então, passou a ser conhecido como “O menino do nariz de apito”. Ele próprio passou a se divertir com isso. Como gostava de música, começou a compor suas próprias canções, todas em referência aos seus queridos que estavam no céu. E era até engraçado, pois, enquanto cantava, o assobio do seu nariz funcionava como uma flauta.

Até que, passados três anos, as sequelas das outras cirurgias misteriosamente se agravaram, e o nosso menino do nariz de apito foi recolhido pelos anjos. Seu velório foi de uma tristeza infinita, e seus coleguinhas de escola lhe fizeram uma homenagem tocando uma de suas músicas na flauta. O epitáfio em sua lápide rezava:

Beto, o “menino do nariz de apito”, que agora assobia suas músicas entre os santos anjos de Deus.

Assim que chegou no céu, o menino do nariz de apito teve seus olhos vendados: alguém preparara-lhe uma surpresa. Foi conduzido até um determinado ponto e, ao abrirem-lhe os olhos, qual não foi o seu espanto ao deparar com aquele caminhão que provocara a morte de seus entes. Só que, agora, havia algo de diferente no trambolho: ele não parecia mais aquele baú assassino, mas um teatro. Estava todo enfeitado de luzes e pinturas por fora. Estava glorificado.

Beto foi se aproximando aos poucos e, ao descerrar das cortinas, o regente fez-lhe uma mesura. Era ninguém menos que o motorista do caminhão, que em vida havia se arrependido de seus pecados. Na primeira fila estavam o pai, a mãe e o irmãozinho de Beto, com um sax alto, um clarinete e uma flauta transversal, respectivamente. A pessoa que preparou a surpresa para Beto deu-lhe um tapinha nas costas e o incumbiu de completar a orquestra com os seus assobios. “Vamos lá, maestro. Que comece o show!”, disse.

Era o próprio Jesus, aquele em quem o Pai reconciliou todas as coisas.

Soli Deo Gloria!

História inspirada no tuíte de um amigo.

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