Não consigo terminar de ler Zafón
Recomecei a leitura com raiva. Comprei um exemplar todinho meu assim que terminamos. Acho que nosso relacionamento foi atípico. Não vejo os casais tendo D.R.s por causa de livros.
Mas eu havia ficado furiosa. Eu tinha chegado em casa toda contente, com o livro “a sombra do vento”, debaixo do braço. Ele havia ficado por mais de sete anos na minha lista de desejos e, finalmente, eu tinha conseguido um exemplar.
Assim que comecei a ler, meus olhos brilharam. O livro era ainda melhor do que eu esperava. A forma como Zafón construía suas frases era excepcional e eu chegava a ter sensações olfativas enquanto lia.
Você parecia animado ao me ver falando compulsivamente sobre o começo daquele livro. E achamos que daria certo lermos ao mesmo tempo. Morávamos juntos, afinal. Quando o livro não estivesse nas mãos de um poderia percorrer os olhos do outro. Depois, eu imaginava, conversaríamos sobre a leitura em um date dos sonhos.
Mas o livro foi parar na sua mochila e foi passear no seu trabalho. Era uma quebra de contrato absurda. Não era para aquele livro sair daquela casa. Eu estava irredutível em relação a isso.
Quando terminamos (por outros motivos), inclusive, fiz questão de que ele não saísse. Deixei o livro no apartamento em que moramos, junto com o sofá, os gatos e, bom, você.
Quando consegui dinheiro o bastante, comprei um exemplar novo para mim, num simbolismo absurdo. Eu tinha certeza de que você nunca mais atrapalharia a minha leitura e minha paixão por Zafón poderia ser, sem impedimentos, aproveitada.
Ledo engano. Vinham memórias no meio das frases: coisas que comentamos, piadas que fizemos. Você estava ali o tempo todo levando de novo o meu livro embora. Pensava que o tinha comigo, mas estava longe, com você. E naqueles tempos eu já nem sabia onde você estava.
Por um momento, desejei que fosse recíproco. Não sei se por desejo de vingança ou de saudade. Na minha fantasia, poderíamos ter ficado os dois com uma história incompleta.
Mas você chegou ao fim e eu nunca fui capaz.
