o outro — Meliny Bevacqua

Larissa Xavier
literaturaconfessional
3 min readOct 20, 2020

Mulher trans, escritora, taróloga e segunda convidada a se confessar por escrito no Literatura Confessional.

A sessão “o outro” é o espaço destinado a convidades especiais que, além de falarem no podcast da L.C. sobre literatura e seu envolvimento para a escrita em primeira pessoa, tem sua confissão aqui publicada — para seu deleite e porque não, empatia.

essa imagem ilustra bem o perfil da Meliny :)

Meliny Bevacqua se confessando em:

eu nunca pensei em chegar aqui. vim arrastada. o que me faz perguntar, estou aqui? se sou passado, presente, futuro. estou, né? ou por conta disso, não estou em nenhum lugar? mente incessante. nome-talismã. terra incidente. onde estou aqui falando? agora já posso ir embora. procurar portas por onde sair e portais por onde adentrar. adentrar o que? dentro, fora, no meio. uma mente não consegue sentar para meditar. uma mente é o céu onde o corpo é a terra. eixo crânio-caudal. kundalini. arjuna louco de ácido no meio da batalha. a coluna é uma estrada que sobe até o chão. o céu é um chão onde nunca se pisa. a morte é uma resposta nunca elaborada. não entendo nada das aulas de anatomia e também não entendi nenhuma outra aula, mas entendi muitas outras coisas além-aula em aula. inventei o futuro no canto de um caderno abandonado. minha mente tem duas mãos e dois pés, mas perdeu seu corpo. já menti. o passado é uma cidade que eu nunca vou voltar. tentei escrever algo diferente e errei. quanto medo de uma gaveta, pavor de convites dos céus e de corredores cilíndricos estreitos e profundos. mas nada psicanalítico. mais nada. e o pior dos medos a morte. 2000 e pouco e um amigo criança me convidou para saltar num pêndulo. 40 metros de queda livre. ainda estou a cair. quero continuar errando. desespero blasé. drama cotidiário. nudez e chão. impossível saber do que se fala quando se escuta. já tive 13 nomes e morei em um ponto de ônibus. quanta besteira resulta de um tempo onde não pude viver. mania de romantizar a dor. dificuldade em falar nas relações que ficaram para trás. e crença que tem coisa que não se deve colocar a mão. criança espantada com histórias egípcias. dificuldade em encarar mais de uma página. sou mãe de um planeta, filhe que me ensina a estar viva, um presente. meu presente é um sonho. tenho uma filha que quase não tenho contato. e hoje está tudo bem. fui invadida. uma cobra mora na minha cabeça. tentei ser cética e nada me permite. tenho muita ansiedade com a caixa de entrada. muitos anos condensados num pedaço desdobrado de memória. sou mulher, deitada na cama antes de dormir sempre pensando em sonhar. sou amor em todo o corpo e tenho um grande amor na minha vida. divido cama. sou realmente romântica e sempre luto contra as doenças do romantismo. hoje sou muito que achei que nunca seria. sou inclusive quem eu já odiei. e sinto que não sei contar aquilo que queria. nem falar sobre os arrependimentos que transmutei. mas que mesmo assim tenho algum jeito interessante de tentar.

Mulher trans, Meliny Bevacqua lê oráculos, ensina tarô e feitiçaria, e é autora do livro “Transespírito”. Além de escrever frases de efeito em seu perfil @MelinyBevacqua, ela também é parte da @MeiodaTerra onde, ao lado de sua esposa, escrevem sobre astrologia, tarô e feitiçaria.

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Larissa Xavier
literaturaconfessional

Escreve bem dez vez em quando. ora poemas, ora sobre astrologia. ora sobre o tempo. ora um sobre ‘alguma coisa’ que pode ser ‘muita coisa’.