Dois artigos de Antonio Candido sobre Maiakóvski

César Marins
Literatura Russa
Published in
14 min readMar 22, 2021
Candido em entrevista ao jornalista Israel Dias Novaes, em 1947

Uma vez fiz uma brincadeira literária. Tendo dedicado um rodapé a certa tradução de Maiakovski para o espanhol, publicada em Buenos Aires, pouco depois escrevi em Clima, com pseudônimo de Fabrício Antunes, um artigo contra o meu, dizendo que o sr. Antonio Candido não tinha entendido nada. É que, comparando a tradução de um poema que em espanhol era “La nube en pantalones” com a francesa, intitulada “L’homme nuage” (O homem nuvem), dei um palpite: a tônica na tradução espanhola parecia ser a nuvem, vestida de calças, quando na verdade se tratava de homem se sentindo nuvem. A tônica se deslocava, portanto, do natural para o humano. Era um jogo mental para me divertir, mas então aconteceu o inesperado: uma senhora russa me telefonou entusiasmada, dizendo que Fabrício Antunes obviamente sabia russo e tinha razão, e me pedia para apresentá-la a ele. Eu lhe disse que se tratava de um rapaz muito esquisito do Sul de Minas, caixeiro viajante que passava raramente em São Paulo, de modo que talvez custasse a voltar, mas quando viesse eu certamente os aproximaria. Meus amigos da revista sabiam de tudo, é claro, e Gilda contou o caso a Mário, que se divertiu muito.

Ora, uma tarde estávamos na Livraria Jaraguá ele e eu quando entra Lívio Xavier, intelectual de grande saber, e me pergunta quem era esse Fabrício Antunes que certamente sabia bem russo. Repeti a história do rapaz sul-mineiro e Mário, da cadeira onde estava, vendo o desenrolar da conversa, tentou segurar o riso, mas não conseguiu. Felizmente, Lívio não percebeu.

Antonio Candido, “Mário de Andrade, os 70 anos da morte da figura central do modernismo”

Notas de crítica literária: Um poeta e a poesia

Folha da Manhã. São Paulo, 11 mar. 1943

A sra. Lila Guerrero, poetisa e escritora argentina conhecida por suas traduções de autores russos, acaba de publicar um livro de utilidade pública para todos os povos de falas ibéricas. Trata-se da “Antologia de Maiakovski — su vida y su obra”. (1)
O livro se divide em duas partes, a primeira correspondendo ao seu subtítulo e a segunda ao título. Digamos, desde já, que a sua importância não lhe atenua os grandes defeitos, e que é mais devida ao interesse do assunto à nossa falta de informação sobre ele do que às qualidades de escritora e de crítica da sra. Lila Guerrero.
A parte consagrada a vida de Maiakóvski é insuficientemente informativa. Continuamos preferindo Elsa Triolet — a quem, aliás, a autora muito deve e pouco cita. Quanto à parte crítica, a sra. Lila Guerrero se reduz a tiradas isoladas, que não elaborou nem integrou organicamente num plano. (Falta em grau impressionante composição a este livro). Seria também de se desejar que encarasse com mais sense of humour os ukases literários de Stálin, e que não desse ao poeta uma importância absoluta no panorama literário russo. A genialidade de Maiakovski não chegou ao ponto de anular a poesia à sua roda. Já que a autora se propõe uma certa visão panorâmica a falta é grave. É grave além disso a sua exposição das influências que sofreu o poeta e, sobretudo, o que diz do futurismo russo. Parece ignorar a distinção, elementar para quem conhece um pouco que seja de literatura russa, entre os ego-futuristas da então Petrogrado e os cubo-futuristas de Moscou. Se juntarmos a isso um certo mau gosto de expressão e uma notória superficialidade no tratamento das questões de poesia, teremos a noção de quanto é limitado o valor desta parte da obra.
Acontece porém, como na marchinha, que quando a gente quer bem a um poeta como Maiakovski, e que a escassez do material a seu respeito e das traduções de seus poemas nos impõe uma limitação quase dolorosa — tudo que venha nos aclarar alguma coisa e, sobretudo, nos trazer alguma coisa dele, é recebido com alegria. A segunda parte do livro é composta por uma boa porção de poesias e fragmentos dos grandes poemas de Maiakóvski. Até aqui o que eu conhecia dele se limitava às traduções francesas de Aragon, de sua mulher Elsa Triolet, de Armand Robin, e a uma ou outra inglesa, apanhada por acaso em revistas. Comparando-as com as da Sra. Guerrero (pobre consolo para quem não sabe russo), posso verificar que coincidem quanto ao sentido literal, dando as primeiras impressões de mais livremente vertidas, com preocupações ritmicas mais acentuadas do que a versão em aparência muito fiel da poetisa argentina. Luiz Giovannini, que conhece as traduções italianas de Umberto Barbaro, teve a mesma impressão que eu. Aí está por conseguinte uma certeza que consola: a tradução da sra. Lila Guerrero é fiel.
*
Quando Vladimir Vladimirovitch Maiakóvski meteu uma bala no coração em 14 de abril de 1930, aos trinta e sete anos incompletos, os críticos simpatizantes do bolchevismo esfriaram de susto, e os não simpatizantes exultaram de alegria. A todos pareceu, com efeito, que a “socialização da poesia”, se assim se pode falar, tentada apaixonadamente pelo grande poeta, falira, e que o indivíduo Maiakóvski, preso na atmosfera abafante da organização coletivista de que se fizera o cantor, acabara por não suportá-la e por buscar a suprema tranquilidade. Depois apareceram as tímidas justificações, uma das quais se tornou slogan: Maiakóvski era um poeta vindo do regime tzarista, e formara nele uma mentalidade pequeno-burguesa, não resistindo por isto, apesar da sua grandiosa boa vontade, ao ritmo que a nova ordem impunha à literatura. Porder-se-ia retrucar que era querer ser mais realista que o rei, por que na Rússia, principal interessada, o poeta foi oficialmente consagrado cantor do regime — espécie de Poet-Laureat do Kremlin. A verdade, para quem lê esta “Antologia”, é que a revolução não poderia ter constituído para ele uma fonte de desequilíbrio. Antes dela, ele era um lírico, um grande lírico de aspirações infinitas, insatisfeito dentro de si mesmo, procurando se apropriar de todo o universo pela ousadia das suas imagens. (“Fugirei de vós — amolentados pelo amor — com lágrimas seculares. — Vou-me embora — levando no olho semi-cerrado, — como um monóculo, o sol… — A terra inteira virá a mim feita mulher — e erguendo as carnes numa oferenda, se me dará” — “A nuvem de calças”, 1915). Depois dela, continuou o mesmo lírico; mas desta vez, um lírico mais pleno, incomparavelmente mais senhor de si. Com efeito, os vastos panoramas exigidos pelo seu lirismo másculo, os motivos monumentais de inspiração — deu-lh’os o grande movimento popular. E Maiakóvski, deixando em paz astros e planetas atirou-se a cantar os “150 000 000”.
Se analisando de perto os seus poemas, nos perguntamos qual a qualidade fundamental do seu lirismo, decidiremos sem dúvida alguma que é a força. Maiakóvski é forte, é intensamente forte. Nisto reside toda a sugestão da sua poesia, toda a sua genialidade. É o primeiro poeta que ataca o seu tema pela violência, resolvendo com ela tudo o que não conseguiriam os infinitos subterfúgios da Poética.
Essa força vem da sua capacidade genial de elevar a valor de poesia tudo o que lhe ferisse a sensibilidade, e de criar a sua originalidade do próprio jogo das suas limitações. Na primeira fase, conseguia-o hipertrofiando desmesuradamente o próprio eu, até fazê-lo coincidir com o universo numa expansão de egotismo criador que englobava no seu largo ritmo todos os temas levantados pela sua vitalidade transbordante:
“Não tenho nalma um só cabelo branco, — nem ternura senil nos anos meus. — Vou, formoso, — atroando o mundo com o poder de minha voz, — do alto dos meus vinte e dois anos… Eu, — o dos lábios de ouro, — que renovo a alma — com cada palavra, — festejando o corpo, — vos digo…” (“A nuvem de calças”, 1915). Na segunda fase, encontrando espaço na sociedade para dilatar o seu eu, junta a ele a ação dos trabalhadores e dos seus chefes: “Eu, — saneador tempestuoso da revolução — mobilizado e por vocação, — fui para a frente, — deixando os senhoris jardins da poesia, — senhora caprichosa…” (“A plena voz”)
*
O problema levantado por Maiakóvski, contudo, é um problema que envolve o próprio destino da poesia na sociedade. Como se sabe, ele sustentava a mais extrema participação do poeta na vida coletiva, impondo-lhe a tarefa de, à maneira de um bardo, cantar os fatos relevantes do seu tempo, os atos circunstanciais dos seus chefes, os slogans doutrinários da sua propaganda. Assim colocado o problema põe de pé os cabelos individualistas dos poetas liberais, serenos ou atormentados contempladores do próprio umbigo. A questão, porém, não é tão simples. Consiste em se saber se a poesia é historicamente temporal ou intemporal — ou, por outras palavras, se o lirismo (última forma que nos resta e que engloba as anteriores) representa uma expansão do indivíduo ontologicamente considerado, ou uma equação do mesmo em relação aos homens do seu tempo. No primeiro caso, teremos como consequência lógica a poesia pura. No segundo, a poesia funcional. É um velho debate que não vou retomar, certo de que nada lhe acrescentaria de novo. Quero apenas, encarando-o de um ponto de vista limitado, apreciá-lo com olhos da nossa época. Lembro-me, então, do poeta Schmidt e do poeta Carlos Drummond. O primeiro, se queixando, com aquela sua abundante plangência, que já não há mais poesia, que a poesia morreu. É o poeta individualista que sente as coisas não irem indo muito bem e, para compensar, se atira a um poema épico: “O descobrimento do Brasil”. O segundo, é o poeta também individualista que, falando menos e pensando mais, sentiu mais agudamente que o seu colega de onde vem o mal — e escreveu “O Sentimento do Mundo”. Neste, encontram-se seis versos que revelam todo o drama da poesia moderna e ensinam o caminho que leva a Maiakóvski: “Estúpido, ridículo e frágil é o meu coração. — Só agora descubro — como é triste ignorar certas coisas. — (Na solidão do indivíduo — desaprendi a linguagem — com que os homens se comunicam)”. Com efeito, o leitor agora pode, graças a esta confissão-chave do poeta mineiro, compreender o significado dos poemas “coletivistas” do poeta georgiano — por mais temperamentalmente diverso que um seja do outro.
Num escrito sobre a arte de fazer versos, que a sra. Guerrero publica em apêndice ao seu livro, Maiakóvski dá, entre outros, os seguintes “elementos necessários para começar o trabalho poético:
Primeiro: a existência de uma tarefa determinada na sociedade cuja solução só seja possível na obra poética. É a tarefa social…
Segundo: o conhecimento preciso ou, melhor, a percepção dos desejos da sua classe (ou grupo social que o poeta representa), quer dizer, o objetivo conceptual” (op. cit. pag. 394).
Conclue-se que Maiakóvski, contrário à “solidão do indivíduo”, aponta ao poeta a participação nos ideais e nos problemas da sua classe, afim de que a sua obra desempenhe nela uma função cultural definida e prática. Se pensarmos bem, veremos que outra não tem sido a atividade dos grandes poetas, porta-vozes do seu grupo ou da sua classe. Mesmo quando há neles o toque do gênio, a sua obra dificilmente engloba todo o significado da cultura da sua nação e do seu tempo.
Considerando que o socialismo resolve em si a diversidade das classes, compreenderemos a amplitude que ganha um poeta vivendo sob o seu signo — como Maiakóvski — uma vez que a “percepção dos desejos da sua classe” se pode identificar com os de toda a coletividade. Não se terá mais, então, um Mallarmé excitando os nervos fastos de uma burguesia blasée, da qual ele próprio é um produto extremo. Ter-se-ão novos rapsodos como Whitman, como Verhaeren, como o próprio Maiakóvski timbrou em ser, fazendo hinos de trabalho e animando o povo nos grandes comícios e nas grandes festas. A poesia, em resumo, adquire em poetas como estes o seu máximo de extensão e de poder significativo. Deve, porém, para tanto, renunciar às requintadas aventuras que pode ter um indivíduo solto dentro de si mesmo, sem pensar no resto. E o leitor percebe, aqui, a existência de um conflito, de cuja solução depende quem sabe a existência da literatura como a concebemos até hoje.
*
Talvez o fenômeno mais sério que se verifica na literatura conteporânea seja o conflito entre a arte e a moral — incluindo neste último termo todos os valores de ordem pragmática tendentes à revisão das normas de conduta até aqui adotadas pelo homem. No século passado, o conflito foi entre a arte e a ciência, sendo resolvido de maneira satisfatória para a primeira, que guardou a supremacia dentro da criação literária. Agora não sei como se resolverá, porque tudo depende da revisão do significado do termo arte.
Ainda há pouco tivemos um exemplo da gravidade e da inegável realidade deste conflito na conferência que Mário de Andrade fez sobre o movimento modernista. Nela, o poeta do “Grão Cão” se declara meio fracassado, porque reconhece na sua obra um cunho por demais artístico (“individualista”, diz ele) para esta época de participação necessária na ordem social. Este pessimismo de Mário de Andrade (injustificado, a meu ver, em boa parte) mostra até que ponto ele é um homem consciente e como compreende a sua época. E mostra até que ponto tem razão o poeta Vladimir Vladimirovitch. A obra deste, com efeito, é marcada por um grande equilíbrio entre os valores éticos e os valores estéticos, o que vem provar que o artista vive realmente o seu momento — momento em que os primeiros valores se colocam com tal intensidade, que descurá-los seria uma quasi traição ao destino dos homens e da própria inteligência.
Numa passagem extraordinária do seu grande poema “Vladimir Ilitch Ulianov”, Maiakóvski fala do horror que assalta o verdadeiro poeta ao perceber que os seus versos podem vir a servir de paravento à verdade: “Tenho medo a estas mil estrofes: — temo ao falso — como um menino. — Temo que ocultem as auréolas, — a autêntica, sábia — humana, — a enorme fronte de Lênin”. É este mesmo medo da poesia despistas o homem do seu destino verdadeiro que levou um grande poeta a dizer recentemente: “A poesia fugiu dos livros, agora está nos jornais”. E diante desta crise, não podemos deixar de aceitar a solução de Maiakóvski, cantando orgulhosamente os problemas da sua terra como Virgílio, outrora, enfeixava o sentido rural do patriarcado romano nas suas “Geórgicas” de poeta pensionado. Tanto para um, como para outro, fazer o poema de uma ocupação cotidiana do homem significa dar a chave do seu tempo e da sua cultura, fazer a poesia nutrir-se da vida.
(1) Editora: Claridad — Buenos Aires — 1943.

Folha da Manhã. São Paulo, 11 mar. 1943

A propósito de Maiakóvski

Fabricio Antunes (Antonio Candido), Clima, São Paulo, n. 12, abr. 1943, p. 126.

Num de seus rodapés críticos da “Folha da Manhã”, o sr. Antonio Candido falou de Maiakóvski, a propósito de uma tradoção dos seus poemas pela sra. Lila Guerrero. Quero fazer a respeito duas ordens de reflexões. Primeiro, quanto a esta senhora. Diz o sr. Antonio Candido ter chegado à conclusão de que a sua tradução é, pelo menos, fiel. O critério de que ele lança mão para afirmá-lo, qual seja o de comparar entre elas traduções em várias línguas, com ser o único acessível a quem não sabe russo é dos mais relativos. E se eu disser ao sr. Antonio Candido que a tradução argentina não é fiel? Não o é, antes de mais nada, porque não há língua no mundo que mais falsamente reproduza o russo do que o castelhano. O que numa é ritmo cortante, áspero, másculo — torna-se na outra retórico, empolado, oco, de uma falsidade sem par. Imaginem o pobre Maiakóvski, amigo das palavras enxutas e sugestivas, vertido para um charabia em que o simples aperto, português, vira o ridículo — aprerón; em que o expressivo murro, vira o com ar de quem late não morte — puñetazo! É um verdadeiro atentado fazer Maiakóvski falar na língua em que (para dizer como eles…) late a grandiloquência do fétido Unamuno, ama-seca quêquê da reação franquista. O maravilhoso poema “Kharacho” é transformado num nome de tango: “Macanudo”; — e o poeta russo corre o risco de ser identificado com algum souteneur portenho. Ainda foi bom que o belo poema de amor a Lila Brik não fosse virado em “Milonguita”. Além do mais, a sra. Guerrero — que em má hora resolvi ler, para pecado dos meus nervos — persiste na tradução idiota de “Oblako v chtanack” por “La nube en pantalones”, erro em que incorrem todos os tradutores do poeta. A expressão russa, intraduzível na sua nuança transcendentemente irônica, implicaria a presença do conceito de homem. Seria, claramente, “O homem-nuvem”, uma vez que nuvem é aí um qualificativo dado pelo poeta a si mesmo, e que se explica na introdução do poema. Por — “Nuvem de calças” — arrisca deslocar o acento humano para um elemento da natureza, o que desvirtua totalmente a intenção de Maiakóvski. E abre a porta para a falsa interpretação de que o importante é a nuvem ter calças, quando o que importa é que o homem se assemelhe a uma nuvem.
Isto, contra a pernóstica poetisa portenha, que nos impinge, além da má tradução, uma baboseira inicial, espécie de retalhos de banalidades sobre a sua pobre vítima.
Agora, ajustemos as contas com o amigo crítico. Confesso que o sr. Antonio Candido me deu a impressão de obscuro a certa altura do seu artigo. Diz ele que não há contradição entre as duas fases de Maiakóvski, porque o que houve foi tão somente mudança de assunto. Antes, falava dele mesmo -; depois, passou a falar das emoções coletivas. Se é bem isso o que entendi, posso, então fazer a seguinte piada com meu caro Sr. Antonio Candido: o indivíduo que se contradiz não é incoerente: apenas muda de orientação. Ora, sr. Candido! O que dá característica a um artista é justamente o seu objeto, pois a escolha deste revela a sua intenção. O que o sr. não soube foi dar a porretada no lugar certo. Explica isto, aliás, a sua ignorância do russo. E o sr. é uma das muitas vítimas da malfadada gralha portenha. Se não há contradição em Maiakóvski, — o de que não estou bem certo, — isto é, devido ao fato de que, na sua primeira fase ao tempo de Khlebnikov e Burliuk, o lirismo já não era para ele um processo de auto contemplação. Acho melhor ceder a palavra a gente mais sabida, e deixar Trotski por mim: “Para ele (Maiakóvski) a Revolução é uma experiência autêntica e profunda, pois os seus raios feriram aquilo que ele odiava à sua maneira de poeta; aquilo que ele não havia querido aceitar. E é esta a sua força… “O homem-nuvem” é a revolta do poeta contra seu meio, contra a dependência moral e material que aprisionava a sua vida e, antes de mais nada, o seu amor. Graças ao sofrimento e à indignação contra os tiranos que o impediram de viver com sua bem amada, elevou-se até o apelo da Revolução, até o pressentimento da Revolução que deveria convulsionar tal sociedade”. E veja bem o meu caro crítico essas palavras de Trotski: “Antes de mais nada o seu amor”. Veja, pense nelas e compreenderá que não há poeta, por mais bardo e mais Whitman que seja que consiga fazer grande poesia fora das condições pessoais da sua emoção.
Além do mais, não é verdade que Maiakóvski tenha caído na revolução como um peixe n’água. Os seus primeiros poemas “coletivistas” testemunham de uma tanta ou quanta e inevitável perplexidade, que o fazem cair até o dístico partidário e a certa retórica populista, de que mais tarde ele conseguiu se desvencilhar quase por completo.
Uma última observação: quem tem razão ao isolar Maiakóvski no cenário poético da Rússia moderna é, desta vez, a sra. dona Lila Guerrero, contra o sr. Antonio Candido. Ele domina a todos, efetivamente, de uma altura incrível. Não creio que o sr. Antonio Candido conheça bem a recente poesia russa. Se conhecer, mais estranho me parecerá o ter tomado as dores dos infra-poetas que a enchem.
Em tudo isso, porém, não queira ele ver mais do que o zelo de quem ama Maiakóvski tanto quanto ele, e se alegra por vê-lo através da sua crítica honesta, procurar difundir por aqui o grande poeta. As nossas brigas literárias, aliás, não são de hoje e só tem contribuído para cimentar uma amizade que é ainda mais velha do que o nosso velho amor por Maiakóvski.

Um enorme agradecimento ao amigo Rodrigo Cerqueira pelo artigo.

Maiakóvski por Rodtchenko

--

--