Três Damas, três cachorrinhos

César Marins
Literatura Russa
Published in
3 min readSep 30, 2020
Óssip Braz, retrato da esposa do pintor — com cachorrão (1907)

Já falei em outras oportunidades da importância da tradução para a literatura russa no Brasil, as diferentes experiências que um leitor pode ter de tradução para tradução, de um trabalho editorial para o outro, a acuidade das notas, etc. Hoje é o dia dos tradutores, e nos parece um dia apropriado para mostrar isso na prática: oferecer aos leitores três traduções diferentes de um mesmo trecho de um clássico da literatura russa, A dama do cachorrinho («Дама с собачкой», 1899), de Anton Tchékhov. As três traduções são diretas, indiscutivelmente boas e acessíveis no mercado. Com a justaposição das três, acrescidas de seu original, espero munir leitoras e leitores recém iniciados nessa literatura de certa capacidade de se movimentar entre edições e traduções, e de fato valorizar o trabalho tradutório, indo além da capa.

Das três, só a de Tatiana Belinky é literal ao título em russo, “Dama com cachorrinho”: em russo a preposição “c” é equivalente ao nosso “com”, sem a subordinação do “de”, uma solução de Botelho e Schnaiderman que nos parece mais próxima da nossa língua corrente.

Maria Aparecida Botelho Pereira Soares
(L&PM)

Comentava-se que na avenida à beira-mar tinha surgido uma cara nova: uma dama com um cachorrinho. Dmítri Dmítritch Gúrov, que estava em Ialta havia duas semanas e já se acostumara ao lugar, começou também a se interessar por gente nova. Sentado no pavilhão do Vernais, viu passar pela calçada da praia uma jovem senhora, loura, baixa, de boina; atrás dela corria um lulu da Pomerânia branco.
Depois ele a encontrou no jardim municipal e na praça várias vezes ao dia. Ela passeava sozinha, sempre com a mesma boina e o lulu branco; ninguém sabia quem ela era e a chamavam simplesmente de “a dama do cachorrinho”.
“Se ela está aqui sem marido e sem conhecidos”, pensava Gúrov, “não seria demais conhecê-la.”

Tatiana Belinky
(Ediouro)

Comentavam que no passeio à beira-mar apareceu uma personagem nova: uma senhora com um cachorrinho. Dmitri Dmitritch Gurov, que se encontrava em Yalta havia duas semanas e já estava acostumado aqui, também começou a se interessar pelos recém-chegados. Sentado no pavilhão de Verne, ele viu passar pela beira-mar uma senhora jovem, de altura mediana, loura, de boina; atrás dela, corria um cãozinho lulu-da-pomerânia branco.
E, depois, ele a encontrou no parque municipal e na praça, algumas vezes por dia. Ela passeava sozinha, sempre com a mesma boina, com o cãozinho branco. Ninguém sabia quem ela era e chamavam-na simplesmente assim: a senhora do cachorrinho.
“Se ela está aqui sozinha e sem conhecidos”, ponderava Gurov, “então não faria mal conhecê-la”.

Boris Schnaiderman
(Editora 34)

Dizia-se que havia aparecido à beira-mar uma nova personagem: uma senhora com cachorrinho. Dmítri Dmítrich Gurov, que já passara em Ialta duas semanas e habituara-se àquela vida, começou a interessar-se também por caras novas. Sentado no pavilhão de Verne, viu passar à beira-mar uma jovem senhora, de mediana estatura, loura, de boina. Corria atrás dela um lulu branco.
Mais tarde, encontrou-a diversas vezes ao dia, no parque e nos jardinzinhos públicos. Passeava sozinha, sempre com a mesma boina e acompanhada do lulu branco. Ninguém sabia quem era e chamavam-na simplesmente: a dama do cachorrinho.
“Se está aqui, sem marido e sem conhecidos”, calculou Gurov, “não seria mal travar relações com ela”.

Original

Говорили, что на набережной появилось новое лицо: дама с собачкой. Дмитрий Дмитрич Гуров, проживший в Ялте уже две недели и привыкший тут, тоже стал интересоваться новыми лицами. Сидя в павильоне у Верне, он видел, как по набережной прошла молодая дама, невысокого роста блондинка, в берете; за нею бежал белый шпиц.
И потом он встречал ее в городском саду и на сквере по нескольку раз в день. Она гуляла одна, всё в том же берете, с белым шпицем; никто не знал, кто она, и называли ее просто так: дама с собачкой.
«Если она здесь без мужа и без знакомых, — соображал Гуров, — то было бы не лишнее познакомиться с ней».

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