A tal da produtividade

Esse é o primeiro texto da série que vamos compartilhar conteúdos usados internamente. Esses conteúdos foram criados visando trazer conhecimento, provocações e reflexões sobre diversos temas relacionados à Agilidade.

Não é incomum, ao falarmos de agilidade, fazermos uma associação direta à produtividade.

Mais cedo ou mais tarde, o tópico vem à tona e, junto com ele, uma percepção de que estamos alinhados quanto aos conceitos e objetivos. E para por aí mesmo, somente uma percepção.

O que é produtividade?

Segundo o dicionário:

Produtividade: Capacidade de produzir

Mas o que é produtividade no contexto de tecnologia?

Produzir muito código? Gerar poucos bugs? Fazer muitos releases? Ter cobertura de testes automatizados? Entregar valor em poucos dias?

Todas essas maneiras de enxergar produtividade estão corretas, mas não completas.

Enxergar produtividade por apenas uma dessas lentes traz impactos negativos, pois causa distorções de comportamentos (mesmo que inconscientes) que desbalanceiam o sistema como um todo.
Ex.: Passar a medir e otimizar a velocidade das entregas de maneira isolada pode trazer um impacto negativo na qualidade dessas entregas.

Diga como me medes e te direi como me comporto. — Eliyahu M. Goldratt

Qual a proposta para abordarmos o tema produtividade na Liv Up?

1. Substituir o termo “produtividade” pelo termo “fit for purpose”

Ao invés de medir a produtividade, vamos medir o quão adequado ao propósito um time* está.

*Por time entenda qualquer grupo de pessoas que trabalha junto rumo a um propósito. Desde a menor formação de times, passando por áreas, unidades de negócio e a Liv Up como um todo.

O que é “Fit for Purpose”?

Capacidade de um produto ou serviço de estar adequado ao propósito para qual o cliente escolheu esse produto ou serviço

Ou seja, capacidade do seu produto ou serviço de entregar ao seu cliente algo que atenta as expectativas dele em relação ao seu produto e serviço.

No contexto de tecnologia na Liv Up, nossos consumidores e nossas operações são os nossos clientes.

2. Entender os passos necessários na jornada em busca do “Fit for Purpose”

Os 6 níveis da jornada

Podemos quebrar essa jornada em 6 diferentes níveis, conforme proposto na imagem abaixo.

Entendendo cada um dos níveis — com a ajuda da pizzaria

Você e seus amigos descobrem um talento incrível para fazer pizza e resolvem se juntar e abrir uma pizzaria.

Nível 0 — Caos

Na pizzaria

Pizzaria aberta; todos cheios de vontade de fazer acontecer e ver o negócio prosperar;

Pedidos começam a chegar e, sem nenhuma organização, as pessoas começam a trabalhar para produzir as pizzas.

Não existe um processo, não existe organização.

Os clientes começam a ligar:

  • As pizzas simplesmente não chegam
  • Os poucos clientes que receberam pizzas, receberam com o sabor errado, com ingredientes faltando, fria, etc…

No mundo de tecnologia

Normalmente, esse estágio acontece em times recém formados. Há todo um processo de entendimento de como cada indivíduo se enxerga no grupo e a própria formação de identidade desse grupo. Não sabemos como colaborar uns com os outros.

Não conseguimos entregar valor, porque as coisas simplesmente não ficam prontas. Estão travadas, estamos trabalhando em coisas duplicadas, fora da priorização. Cada um está correndo para um lugar.

Tensão presente: Não consigo visualizar o que está acontecendo. Precisamos nos organizar.

Ação: Dar visibilidade à bagunça — (Kanban pode ser seu grande aliado nessa hora.)

Nível 1 — Visualizando a bagunça

Na pizzaria

Agora temos visibilidade e estamos conseguindo nos organizar melhor;
Conseguimos visualizar os pedidos que temos e quem está cuidando de qual;

Mais pizzas começam a ficar prontas;

Os clientes começam a ligar:

  • As pizzas chegaram, mas chegaram bastante atrasadas
  • Muitos pedidos com sabor errado e ingredientes faltando

No mundo de tecnologia

O alinhamento melhorou e conseguimos visualizar o trabalho que está sendo feito;

A sensação de caos já não existe mais e percebemos uma melhora na entrega de valor. Mais coisas estão ficando prontas.

Os requisitos e cenários são soltos e superficiais. Estamos deixando detalhes importantes passarem e só pegamos isso quando entregues.

Ainda demoramos muito mais do que estimamos para finalizar as entregas. Trabalhamos com grandes blocos que são dependentes; é comum uma entrega ficar travada e, rapidamente, começamos uma outra “para não ficar parado”.

Tensão presente: O nosso processo não está bom. Estamos cometendo muitos erros.

Ação: Ajustar o processo para que ele fique consistente — tornar as políticas explícitas.

Algumas perguntas que podem te ajudar a deixar as políticas explícitas:
- O que significa cada etapa do seu Kanban?
- Quais as regras para entrar e sair de um coluna?
- Quais os critérios para que um item esteja pronto para começar a ser atacado? (Definition of Ready)
- Quais os critérios para que um item seja considerado pronto? (Definition of Done)
- Quem é responsável pelo que no fluxo?
- Quando e como revisamos e adaptamos essas políticas?

Nível 2 — Processo consistente

Na pizzaria

Fizemos alguns ajustes e agora temos um processo de ponta a ponta claro e consistente rodando.

Os pedidos não têm mais problema de estarem com sabor errado ou ingredientes faltando.

Os clientes começam a ligar:

  • Os pedidos raramente são entregues dentro do prazo estimado.

No mundo de tecnologia

Fizemos vários ajustes e iterações no nosso processo/modo de trabalho.

Temos melhores requisitos e sabemos o valor que cada item vai entregar individualmente.

Qualidade da entrega aumentou e problemas pós-entrega são raros.

Mas ainda estamos sempre atrasados e achamos que não somos bons com estimativas.

Tensão presente: Nossa entrega não é consistente

Ação: Limitar o trabalho em progresso e introduzir métricas para embasar e fomentar a melhoria contínua (mais detalhes sobre quais métricas são essas no final do texto)

Nível 3 — Fit for Purpose

Na pizzaria

Com o limite de pedidos em progresso, passamos a focar em entregar cada pedido o quanto antes, antes de começar um novo. Esse foco em terminar o que já está começado nos fez atingir um padrão no nosso fluxo de entrega dos pedidos e, com isso, ganhamos previsibilidade.

Com maior previsibilidade, ingredientes raramente faltam no estoque e conseguimos negociar melhores preços com nossos fornecedores, além de conseguir dar estimativas muito mais confiáveis para nossos clientes de quando eles receberão a pizza.

Os clientes estão felizes.

Agora, com clientes felizes, temos o espaço para refletir sobre onde nós queremos melhorar. Podemos sair do modo reativo para o modo proativo.

No mundo de tecnologia

Nosso volume de trabalho está limitado, o que nos faz trabalhar com menos coisas em paralelo. Conseguimos focar e finalizar itens com muito mais qualidade e velocidade. "Priorizar" se torna palavra de ordem.

Com o passar do tempo, temos o histórico do time, o que nos deixa cada vez mais eficazes no planejamento: planejamos na hora certa e na quantidade certa.

Nossas estimativas agora são baseadas no histórico e não em uma tentativa de prever o futuro.

Não sacrificamos mais a qualidade por conta de prazos. Estamos no controle e puxamos o trabalho.

Tensão presente: Como podemos surpreender nossos clientes?

Ação: Entender mais a fundo as necessidades para surpreender — ser proativo. Ex.: Segmentar melhor nossos clientes para conseguir fazer ofertas mais personalizadas

Nível 4 — Inovação ganha seu espaço

Na pizzaria

Clientes vegetarianos, clientes com muitas pessoas na família, clientes que moram sozinhos — Agora somos capazes de atender as necessidades mais específicas de nossos clientes com ofertas e atendimento personalizados.

O curto prazo está gerenciado, o que nos permite sofisticar nossos serviços, superando a expectativa de nossos clientes.

No mundo de tecnologia

Conseguimos propor soluções mais eficazes porque conseguimos investir mais tempo no entendimento dos problemas que queremos resolver, conhecemos melhor nossos clientes e suas necessidades.
Estamos com a casa em ordem, o que nos dá espaço para estarmos alguns passos à frente, enxergando novas oportunidades e maneiras de atender a essas diferentes necessidades.

Nos sentimos prontos para experimentar e inovar nas soluções.

Tensão presente: O que podemos fazer para ser a melhor pizzaria da cidade?

Ação: Olhar para o mercado e concorrência

Nível 5 — Puxando a frente

Na pizzaria

Você olhou para o mercado e concorrência, entendeu as necessidades, mapeou oportunidades e passou a reinventar a maneira como faz as coisas. Você é a melhor pizzaria da cidade e é o seu negócio que dita as tendências de mercado agora.

Você está entregando um produto/serviço nunca antes visto. Você está elevando a barra de qualidade e expectativas.

No mundo de tecnologia

Mais do que entender as necessidades e inovar na maneira de resolver, agora é você quem traz novos horizontes e possibilidades.
Você sai da posição reativa de atender à necessidades e passa a criar novas necessidades.

Tensão presente: Como se manter nessa posição?

Chegar a um nível não é garantia de permanecer nele

Você nunca É nível X. Você ESTÁ nível X.

Se manter nos quadrantes Fit for Purpose é um constante exercício de melhoria contínua, autocrítica e inovação. É sobre não se acomodar e sempre se colocar fora da zona de conforto.
Precisamos ter em mente que tão logo uma expectativa é superada, tão logo ela se torna o novo nível minimamente esperado.

Ex.: Experiência de compra online trazida pela Amazon. De algo WOW e inacreditável, que elevou a barra do mercado, passa a ser o novo nível esperado pelos consumidores.

Agora sim podemos falar de métricas

Encarar produtividade como a relação entre Expectativa e Entrega é uma proposta diferente de abordagem do tema, visando o que realmente importa: entrega de valor aos clientes.

Mas isso não significa partir para uma abordagem totalmente subjetiva. Números, indicadores e métricas ainda são muito úteis nessa jornada rumo ao Fit for Purpose.

Aquilo que não se pode medir, não se pode melhorar.

Uma boa abordagem é olhar para os indicadores como sendo parte de um sistema que se mantém em equilíbrio. E podemos resumir o sistema do nível de entrega olhando para estes 6 pilares:

1) Valor: quão eficazes estamos sendo? Estamos entregando valor real para nossos clientes?

2) Qualidade: qual o nível de qualidade das nossas entregas? Quantos problemas geramos com nossas entregas? Qual o impacto dos problemas que geramos?

3) Velocidade: quão rápida é nossa entrega de valor para os clientes? Quanto tempo até que algo fique disponível?

4) Quantidade: qual o volume de entregas que temos?

5) Consistência: quão consistentes são nossas entregas? Conseguimos ter uma boa previsibilidade de entrega?

6) Resiliência: conseguimos manter esse ritmo de trabalho pelos próximos 3 meses? Quanto tempo é investido em aprendizado e desenvolvimento? Quão felizes estão as pessoas trabalhando?

A zona verde representa uma oscilação saudável e natural dos indicadores. É comum ter que puxar um pouco mais uma corda em detrimento de outra em resposta a uma necessidade que surja.

Podemos reduzir nossa entrega de Valor em prol do aumento da Qualidade do nosso produto, por exemplo, pagando débitos técnicos.

Podemos reduzir a Quantidade em prol de entregas com maior Valor agregado, por exemplo. refinar melhor a experiência/detalhes antes de liberar para os clientes.

A zona laranja representa uma situação de atenção: algumas escolhas foram feitas e estas levaram um ou mais indicadores para fora da zona saudável. Essa situação pode até ocorrer, mas não deve se manter por longo períodos para que a situação não se torne muito custosa de ser revertida.

Mesmo não sendo o ideal, podemos conscientemente optar por acelerar ao máximo nossas entregas. Puxando a corda de Velocidade e Quantidade demasiadamente, fazendo com que Qualidade e Resiliência entrem na zona laranja.

Manter Qualidade e Resiliência por fora da zona saudável por um longo período traz consequências como (1) sistema em produção insustentável por conta de problemas/débitos técnicos, (2) cansaço, desmotivação e perda de integrantes do time…

Exemplos de métricas comumente utilizadas para cada pilar

Cada pilar pode ser medido de diversas maneiras e vai variar de acordo com o contexto de cada time, mas existem alguns indicadores comumente utilizados para cada um dos pilares:

1) Valor quão eficazes estamos sendo? Estamos entregando valor real para nossos clientes?

  • KPIs
  • Pesquisas de satisfação com os clientes sobre o produto/serviço

2) Qualidade qual o nível de qualidade das nossas entregas? Quantos problemas geramos com nossas entregas? Qual o impacto dos problemas que geramos?

  • Bugs em produção (tecnologia)
  • # de chamados no atendimento/operações
  • Taxa de reabertura de itens

3) Velocidade quão rápido é nossa entrega de valor para os clientes? quanto tempo até que algo fique disponível a eles?

  • Lead time médio (tempo entre começar a fazer um item e a entrega final do mesmo)
  • Tempo de reação para problemas

4) Quantidade qual o volume de entregas que temos?

  • Throughput (quantos itens são entregues por período)

5) Consistência quão consistente são nossas entregas? Conseguimos ter uma boa previsibilidade de entrega?

  • Distribuição do Throughput (faixas de percentil)
  • Distribuição do Lead time (faixas de percentil)

6) Resiliência conseguimos manter esse ritmo de trabalho pelos próximos 3 meses? Quanto tempo é investido em aprendizado e desenvolvimento? Quão felizes estão as pessoas trabalhando?

  • Pesquisa periódica com os membros do time sobre ritmo de trabalho, satisfação, bem-estar, clima, sentimento de produtividade, etc…
  • 1on1s periódicos

Conclusão — TL;DR

Produtividade é sobre atender as expectativas que seus clientes têm sobre você;

Produtividade e Maturidade são temas interdependentes; A proposta aqui é elevar a Maturidade dos times e consequentemente elevar a produtividade dos mesmos;

Maturidade é uma jornada e não um estado final. É um constante exercício de melhoria contínua, autocrítica e inovação;

Respeite os passos da jornada e não tente dar um passo maior do que a perna. Maturidade e produtividade andam de mãos dadas;

Métricas são grandes aliadas na jornada de amadurecimento, desde que inseridas no momento correto da jornada e da forma correta que visa olhar o sistema como um todo, mantendo-o em equilíbrio;

Produtividade e maturidade são temas complexos e jamais estarão totalmente cobertos por modelos. Foque em experimentar e evoluir sempre seu time e o próprio modelo.

Inspirações e Referências:

https://www.kanbanmaturitymodel.com/ https://www.amazon.com.br/dp/B078JFTVS8/ref=dp-kindle-redirect?_encoding=UTF8&btkr=1https://www.eylean.com/blog/2018/03/kanban-maturity-model-new-way-analyzing-efforts/
http://maccherone.com/publications/KEYNOTE-MetricsAndInsights-Maccherone-0604-1245PM.pdf
https://pt.slideshare.net/ITRevolution/does15-troy-magennis-and-julia-wester-metrics-and-modeling-helping-teams-see-how-to-improve https://twitter.com/t_magennis/status/1207741454774235136

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